Sou louco

Sou louco para ser normal. Louco para parecer normal. Sou louco para me ver livre da loucura existencial na qual aceito viver, quer seja por inércia, por interesses, por irresponsabilidades ou o que é pior, que seja por desumanidade, naquele sentido não necessariamente de destruição, ódio, rancor ou desamor, mas sim daquele sentido da falta de humanidade, da falta de empatia pelos vivos, da falta de respeito por todos, e de da falta de uma consciência social. Acabo sendo louco para parecer normal, ou sendo louco por parecer normal?


Sou louco para ser normal, ou por ser algo normal? Acabo sendo louco para, e por, aceitar uma participação mesquinha e irresponsável, em uma sociedade que por falta de verdadeira revolta, acabo por ajudar, a manter, e sustentar. Será normal ser louco, ou será loucura querer ser normal? É louco aquele que aceita ser normal nesta sociedade, nesta realidade, nesta mesquinha arte de viver, ou é louco aquele que não se sente normal, que não aceita como normal esta mesquinha arte de viver, e que se revolta com o que aqui está? Sei que deveria ser louco, mas serei realmente louco? Entendo que o normal que deveria ser está muito mais para uma certa loucura, pelos padrões de estado e de aceitação que permeia a sociedade. Sou louco por ter um lado cético forte, por acreditar somente no imanente, no que de alguma forma seja totalmente natural, que se constitua ou que se sustente por matéria e energia? 

Sou um louco que gostaria de ser normal, mas não sei se o sendo, não preferiria ser realmente louco. O que é loucura? O que é ser normal? É obvio para mim que a loucura deve ter algo de desconexão com a realidade, mas daí surge outra questão:  o que é a realidade? Para cada um ela é subjetiva por mais que pareça ser objetivamente a realidade em si. A realidade que percebemos é um constructo mental que reflete, baseada em impulsos de informações recuperados do mundo exterior e em complexos, consciente e inconsciente, processamento cerebral, e que acaba por emergir como a realidade que percebemos, mas é somente representação falha e incompleta daquela real realidade que existe fora de nós. A realidade que entendemos é mera construção mental, muitas vezes enganosa e não intuitiva da verdadeira e real realidade, que talvez nunca seja percebida por completo, pois que tanto o nosso cérebro, quanto nossos sensores biológicos, e mesmo quanto os sensores que sejamos capazes de construir tecnologicamente, são todos também limitados e imperfeitos. Sou louco porque minha realidade percebida está desalinhada de alguma forma da real realidade, ou sou louco porque apesar de perceber uma realidade que de alguma forma se alinha a real realidade não me comporto como alavanca de transformação, e não ouso me expor mais por uma transformação, por um lado, da percepção de alguns, e por outro, lado da própria realidade social e humana em que vivemos? 

Sou louco para ser normal, mas não será normal ser um pouco louco, ou sequer sou louco o suficiente para loucura desta realidade? 

Sou Louco, talvez. Talvez seja louco? Talvez sim, talvez não. Talvez sequer exista loucura, talvez sequer exista a realidade que percebo. Talvez seja tão louco que tudo o que entendo por real seja mero devaneio mental, talvez esteja internado, em coma, ou sobre severo tratamento, e por processamento mental crie esta percepção da realidade que entendo ser real. Talvez sequer esteja escrevendo, talvez nunca tenha escrito nada para ninguém, talvez nenhum dos meus leitores sejam reais, mas em verdade talvez nunca venha a saber disto... Mas mesmo que esta realidade que percebo não seja real, sinto ter obrigações para com ela, e tenho assim  obrigação de tentar transformá-la. Se ela não for real, estarei criando, pelo menos, uma percepção da realidade mais humana e social, e se ela for real, como acredito que seja, estarei tentando transformá-la em uma real realidade mais social, humana e natural.

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