Intencionalidade
É curioso como nossa mente tende a ver intencionalidade em todos os acontecimentos que nos afetam (Em geral temos o mal costume de imaginar intencionalidade de algo ou de alguém em quase tudo o que acontece). Parece que somos ávidos em perceber, mesmo que sem a menor evidência formal, que fenômenos, muitas vezes aleatórios (no sentido de sem intencionalidade alguma, mas com certeza um evento com causa ou probabilidade de ocorrer), ganham uma aura de intencionalidade, principalmente quando nos afetam. Adoramos teorias da conspiração, exatamente porque dão intenção a eventos díspares, muitas vezes dispersos, e quase sempre sem correlação.
Talvez porque sejamos excelentes contadores de história, muitas vezes inventamos enredos para justificar um pouco do que somos e também um pouco do como agimos. Muitas vezes estas criações mentais, com o passar do tempo, ganham ares de verdades até para nós mesmos que as criamos, ficando impossível discernir o quão dela é verdade e o quão dela é criação. Nossa mente tem o irrefreável hábito, ou necessidade, de entender como coerente tudo o que acontece, de entender de forma a que os eventos possam ter uma estrutura coerente, não necessariamente verdadeiras. Muitas vezes, nas histórias e intencionalidades que criamos, a verdade é o que menos importa, importando apenas dar um ar lógico e coerente aos fatos para que a mente possa se sentir segura, e assim somos muitas vezes envolvidos em intencionalidades que jamais existiram, apenas e tão somente porque tornam o caos, que se nos parece aleatório, digerível conforme uma estrutura lógica coerente.
Nos é difícil entender um mundo real sem uma clara relação de causa e efeito (nossa mente se sente perdida e sem chão), e uma bem definida intencionalidade nos atos e nos comportamentos, nos fatos e acontecimentos. Para nossa mente frágil, insegura, e cheia de bugs, se algo acontece, deve ter tido uma causa, em geral única, e em paralelo uma intencionalidade, quando não percebemos esta causalidade, logo-logo nossa porção contadora de histórias do cérebro entra em ação buscando, criando e azeitando, uma bela história, com o que percebe, e com o que “poderia” segundo nossas crenças, explicar aquele fato. Damos intenção até para eventos físicos, por exemplo: “o carro não quer funcionar porque estou nervoso, e ele prefere não me expor a riscos”.
O mundo real é caótico em relação a sucessão de eventos (lembrar que o caos não significa aleatoriedade, significa complexidade, são tantas as causas e inter-relações de tudo com tudo, que se nos parece algo sem controle, sem lógica, aleatório). A maior parte das coisas acontece sem intenções, entretanto com causas que muitas vezes desconhecemos. E em relação as causas, elas podem ser tão complexas que podem se entrelaçar com fatos e eventos que ocorreram em diferentes tempos, alguns mesmo a muito tempo atrás, e também em diferentes locais, sob diferentes condições, envolvendo diferentes pessoas, com variadas e diferentes intenções (alguns deles), mas a maioria destes fatos, em geral, são desprovidos de intencionalidade.
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