A religiosidade, as religiões e deus
A religiosidade, as religiões e deus. São três diferentes “fatos” mas que acabam muitas vezes por serem percebidos como totalmente dependentes uns dos outros, como se o seu entrelaçamento fosse obrigatório, pois que muitos de nós temos a tendência natural, mas não menos falaciosa, equivocada e simplista, de associarmos eles, sempre, como uma relação direta de causalidade, como se os dois primeiros fossem necessariamente caminhos e desígnios do último, sendo como que causas e efeitos. De forma teórica e superficial, assim realmente parece aos olhos, catequizados ou não, de quem assim na verdade espera, ou está “preparado”, para ver, entretanto na prática muitas religiões se usam de deus apenas como chamariz, e a religiosidade não precisa nem de religião alguma, e se bem pensada, nem mesmo de deus algum.
Entendo que a religiosidade é um fato em si mesma, as religiões, em geral, são problemáticas, e deus é uma questão de crença sem evidência alguma. Entendo ainda que o romantismo de nossa mente acaba por entrelaçar os três “objetos” como se compusessem uma única classe coesa e obrigatoriamente dependentes, como se estivessem trançadas de forma simbiótica desde o início dos tempos, e assim permanecessem para todo o sempre.
A religiosidade é aquela, dos três, a que devoto maior respeito e entendimento, entendo como um subproduto natural da evolução do cérebro, e entendo claramente que de alguma forma ajudou a nos dar sentido de união, de aliança e de coesão, como grupo, ao longo de, quem sabe, alguns milhões (ou muitos e muitos milhares) de anos de evolução, onde pouco sabíamos da realidade, muitas e muitas vezes estranha, assustadora, e não intuitiva, que experimentávamos. Sinto-me obrigado a aceitar que tenha sido uma característica selecionada porque algo de útil a nossa evolução trouxe, mas nunca, jamais, que tenha sido selecionada como algo que representasse alguma verdade, pois que a evolução não se importa, ou tem como meta, isso, e sim seleciona naturalmente aquilo que propicie ao longo do tempo, uma maior capacidade de deixar descendentes e de sobrevivência destes. Tendo fortemente a aceitar claramente que aqueles que se uniam em nome de algum sentimento do que hoje nominamos como religiosidade, tenham de alguma forma tornado mais fácil a capacidade de se ajudarem, de se defenderem, assim garantindo maior sobrevivência e um mais seguro número de descendentes, do que aqueles que se mantiveram isolados, arredios, e sem criar um laço comum maior do que o mais simples laço familiar. Aos poucos, cada vez mais se percebe que a evolução selecionou cérebros que possuíam “sentidos” de religiosidade, talvez porque este sentido favorecia o conforto coletivo, a segurança de grupo, a união social e o agir em prol de algum ideal comum, como uma comunhão de seres mentais. Desta forma a religiosidade que experimentamos é um fato natural e por isto imanente, nada possuindo de transcendente ou de divino, desta forma não necessitando assim de deus algum.
Igualmente a outras características de personalidade e de humanidade, e assim de conformidade com toda e qualquer característica que emerge da complexidade neuronal, a religiosidade é um resultado mental de um processamento inconscientemente complexo de nosso cérebro, que acabou por ser “sábia” e interesseiramente apoderada como uma ligação sobrenatural a ser trabalhada por alguma religião em nome de uma “religação” com algum deus.
Isto não diminui, menospreza ou ofende, o estado mental/humano natural de religiosidade em si mesmo, posto que se a evolução o selecionou e o preservou, é porque foi bastante vantajoso e benéfico para nos garantir descendentes, o que hoje me permite aqui estar refletindo sobre ele. O que critico não é o sentimento de religiosidade, ou o estado mental de religiosidade, e sim o fato de ser este sentimento aprisionado em nome de religiões que se fazem parecer, horas obras, outras horas donas de algum deus, ou que este sentimento da busca de si mesmo, de um entendimento maior de si, e de união grupal, seja distorcido como algo que por um lado precisa de um deus para operar, ou que opera de forma sobrenatural por algum deus ou entidades místicas quaisquer. Este sentido deve ter sido, ao longo dos muitos e muitos e muitos anos, desde que teve início a nossa linha evolutiva direta, com seu maior desenvolvimento mental própria aos hominídeos, bastante importante para nossa preservação como espécie. Quem sabe possa até existir algo que não consigamos perceber de religiosidade em alguns dos nossos primos mais diretos, grandes primatas. Volto a reforçar que isto não faz deste sentimento nada de sobrenatural, ou de representação alguma de uma verdade maior, mas sim que ele agiu para nossa evolução nos mesmos moldes do medo, da felicidade, da paixão, e do amor.
As religiões, múltiplas e complexas, possuem algumas virtudes, não seria estúpido em não as perceber, mas em contrapartida, são em geral segregadoras, e muitas vezes incoerentes entre si, e também incoerentes internamente a si mesmas, mas cabe comentar que nenhuma virtude encontrada em religião alguma existe somente por causa dela, todas as virtudes são naturalmente possíveis longe de qualquer religião, e sem os riscos dos desvios que acompanham todas as religiões. Homens as criaram, as dirigiram e selecionaram suas regras, seus livros sagrados, seus dogmas, seus rituais e suas linhas filosóficas, sendo assim são elas próprias imanentes, apesar do esforço mentiroso em lhes dar uma origem mística sobrenatural.
Suas origens, em geral, remontam a muito e muito tempo, e ocorreram ao longo do tempo evolutivo mais recente, derivado, ousaria eu propor, do modo operante de nosso sentido de religiosidade, que é o da identificação social de grupos, e capturada por interesses de pessoas que perceberam o lado fácil de maquiar o sentimento de religiosidade como algo próprio das religiões.
Pessoalmente tenho restrições às religiões, em especial as grandes, apesar de muito amar e respeitar os religiosos, primeiro por serem irmãos em espécie, e segundo por estarem eles realizando um instinto natural humano, maquiavelicamente desviado para o interesse das religiões, qual seja, o da religiosidade que emerge naturalmente de nosso cérebro humano. Entendo ser difícil, pelo atual estado de catequese feita, mas acredito totalmente que poderíamos realizar nossa religiosidade longe dos desvios dogmáticos, em muitos casos mentirosos, e segregadores, que as religiões, em geral, acarretam. Creio plenamente que somos capazes de ser religiosos sem religiões, e até mesmo sem entidade deísta, teísta, panteísta, ou mística, qualquer.
Acredito que o sentimento de crença em deus, por muitas pessoas, seja verdadeiro, desta forma, sinceramente, eu não duvido que esta crença em deus, para a maioria sincera dos religiosos é verdadeira, e que apenas uma fração destes se aproveita para benefícios próprios. Eu também tenho que esclarecer que, ou não possuo inteligência suficiente para perceber este deus, ou que na verdade esta crença é ilusória, catequisada, e fomentada por cultura, catequeses, doutrinação em massa, e medo. Mas mesmo que ele, algum deus, fosse a mais pura verdade, mantenho a minha posição de que as religiões são totalmente desnecessárias, pois que a religiosidade por si só bastaria para alguma conexão com este deus. Continuo crendo também que o sentido de religiosidade poderia nos ligar também, o que é mais importante para mim, ao respeito à natureza, ao amor à vida, e a dignificação de nossos semelhantes em espécie.
Entendo que as religiões, pelo menos a maioria absoluta delas, possuem algumas coisas boas, mas todas estas boas coisas são possíveis fora das religiões, podendo compartilhá-las ou exerce-las independentemente da necessidade física de ingressar em alguma delas. Não obstante as coisas boas, as religiões me parecem problemáticas por uma série de coisas, em especial pela domesticação, pelas catequeses, pela segregação que acarretam, entre outros, não obstante a falácia de uma união ecumênica, e da existência de algum ser divino. As religiões são, a meu ver, problemáticas também pela competitividade que acirram, pelos dogmas que professam, pelas certezas sem evidências que afirmam, pelos preconceitos que criam, pela fé cega em alguns casos que necessitam, pelo aceite às interpretações das revelações oficiais, muitas vezes incoerentes que necessitam, pela obediência as autoridades que incitam, e em alguns casos pela infalibilidade que forçam crer sobre alguns membros.
Quanto a deus, a sua existência ou não, por se tratar de uma crença pessoal, deve ser discutida mentalmente em foro íntimo, posto que não possuo como comprovar sua inexistência, entretanto a crença em um deus abraâmico, onipresente, onisciente, e onipotente, que escolhe ou não agir, que provê destinos, que arrebata, que promete salvação eterna, não faz, ao meu ver, sentido nenhum acreditar, pois que é incoerente, ilógico e insensível. Da mesma forma que não tenho como provar a não existência de um deus no estilo deísta (pois que um deus teísta está por mim completamente fora de escopo), ninguém, nenhum dos bilhões e bilhões de seres humanos que creem ou que já passaram por este planeta também crendo, por diversas eras, por incontáveis religiões e seitas, conseguiu de forma assertiva e evidenciada comprovar sua existência. Se a prova de um deus deísta até hoje não foi possível, muito mais difícil ainda é comprovar a existência de um deus teísta, cabendo apenas lembrar que a prova deve ser de quem afirma existir, pois que é impossível em escopos abertos comprovar a não existência qualquer coisa. Gostaria muito de dizer que prefiro assim deixar deus para o escopo e o escrutínio individual, mas sinceramente, apesar de entender que a crença em um deus passa como uma questão de fé, a crença em religiões é algo material, algo que perpetua uma situação no mínimo desnecessária, mas que pode afetar em muito as pessoas.
Para os meus filhos, que de longe são aqueles que mais amo, apenas afirmo: “Se vocês quiserem ou não acreditar em deus, é um problema de escolha e decisão pessoal, mas não faz sentido algum crer em um deus teísta. Se vocês quiserem discutir o assunto, estarei sempre a disposição, mas por favor não foquem apenas nele, foquem primeiramente nos humanos, foquem na natureza, foquem no saber, foquem na dignidade humana, foquem na realização de suas humanidades, foquem na inclusão social, no fim das explorações, dos abusos, nos fim dos preconceitos, foquem na educação integral, foquem na construção do amor universal, foquem nas evidências. Caso deus exista, e se ele é o sumo bem e o criador de tudo, com certeza ele terá bons olhos para aqueles que cuidam de suas criações e respeitam seus filhos. Este deus, com certeza, haverá de respeitar aqueles que buscam a humanização de suas vidas, que trabalham pela dignificação da essência do viver, que constroem, dia a dia, um amor universal e natural, e se existe um deus ele deve ter sérias restrições as religiões. Não existindo este deus, como entendo, vocês terão a certeza que fizeram o melhor pela vida, pelo natural e pela civilização. ”
Fingir que a sensação de religiosidade não está presente em nossos circuitos neuronais é mentir abertamente. Cada vez mais surgem evidências de que ela está de alguma forma programada e roda como processo ativo no subconsciente de nossos múltiplos seres, mas daí a afirmar que a religiosidade que compõe parte do que somos, seja divina ou transcendental, é outra coisa muito diferente, que esta religiosidade necessita de um deus, ou de uma religião é algo no mínimo falacioso. Afirmar que, para que exista nossa religiosidade, é necessário que exista primeiramente um deus é meramente brincar com sentenças soltas. Como já falei, pode até ser que um deus deísta exista, mas ele é no mínimo desnecessário pois que já tenho a natureza como realidade, mas o nosso sentido de religiosidade independe da existência deste deus, ou de qualquer outra entidade deísta, mística ou sobrenatural. Poderia lembrar que ao longo do tempo, a religiosidade tem sido uma constante apesar das inúmeras e diferentes religiões, seitas ou crenças no divino e no místico. O instinto natural de religiosidade tem sido mantido, não obstante as variadas formas de deus, que foi do politeísmo ao teísmo, tendo ainda variações do tipo deísmo, panteísmo e outras. O instinto conceitual de religiosidade tem se mantido vivo, indiferente ao meio e a forma final do ser, ou seres, transcendentes que em última análise cremos professar em nossa realização da religiosidade, o que por si só é prova de que o sentido de religiosidade é independente de religião e de um deus específico. Assim ouso comentar que sendo a religiosidade um resquício mental humano, selecionado ao longo de muitos anos, ela, a religiosidade, em nada obriga a religião ou mesmo um deus para sua realização, mais ainda que a educação integral, o desenvolvimento de seres pensantes, críticos, algo racionais, honestos consigo mesmo, faz com que o sentimento de religiosidade seja desviado, transformado em um sentido, em um sentimento de querer o bem, de amar a vida e ao próximo.
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Sou um ateu racional e um livre pensador, ou melhor, eu sou um ateu que tenta ser (que se compromete a ser) racional e livre pensador.
Maravilha! Muitas vezes senti o conflito interior, entre a total falta de identificação com o deus que aí está (no mercado), e um misto de sentimentos, onde, apesar dos momentos de autêntica decepção, frustração, raiva e outros, tentam prevalecer, o amor a verdade, a equidade e a justiça.
ResponderExcluirDesde que a conheci, uma frase atribuída a Lincoln, passou a ser minha referência: “Quando faço o bem, sinto-me bem, quando faço mal, sinto-me mal. Essa é a minha religião.”
Com o personagem central de “A Hora e a Vez de Augusto Matraga” (de Guimarães Rosa), passei a ver a religião como uma verdadeira areia movediça: “... só então foi que ele soube de que jeito estava pegado à sua penitência, e entendeu que essa história de se navegar com religião, e de querer tirar sua alma da boca do demônio, era a mesma coisa que entrar num brejão, que, para a frente, para trás e para os lados, é sempre dificultoso e atola sempre mais.”
Obrigado pelo texto. Ajudou-me a ter a religiosidade como tema, que, por resistência a termos definitivos, direi, devidamente e muito bem explanado.
Anabel, sem palavras, fico honrado por tê-la como uma de minhas Amigas. Muito Obrigado pela leitura, Muito Obrigado pelo comentário, Muito Obrigado por me aceitar entre os seus AMIGOS. Paz, Saúde e Felicidades mil, voce merece, nós merecemos, todos merecem.....
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