Pensar
Pessoalmente, pelo menos a princípio, entendo que pensar (aquele pensar minimamente consciente, argumentativo, crítico) requeira algum nível de linguagem, mesmo que elementar, mesmo que não se traduza em fala, em escrita, ou em algum outro atributo exteriorizado ao pensamento, que sirva para uma comunicação externa ao nosso ser e ao nosso existir, o pensar racional requer algum princípio de linguagem nem que seja meramente conceitual. É claro que pensar é muito mais, vai muito além, de algum ato puramente intencional, crítico, racional, argumentativo e consciente, o pensar passa muito mais de seu contínuo “esforço” em um pensar inconsciente, autônomo, independente, meio que automático, repleto de processos zumbis que desconhecemos, passa também por um pensar contemplativo em oposição ao pensar argumentativo crítico. Pensamos sem saber que pensamos. Pensamos por imagens. Pensamos também de forma argumentativa. O pensamento autônomo, independente, inconsciente é o que seus termos já dizem, um pensamento independente de nosso ser minimamente consciente, ocorre no subsolo de nosso ser mental e dele nada ficamos a saber, a menos do quando, por insights, eles vêm à tona com novas ideias, novas respostas, novas forma de perceber, e nem sabemos como chegamos aquelas respostas, aqueles estados mentais. A maior parte de nosso processamento mental ocorre neste nível, e é bom que assim o seja para nos deixar livre para podermos pensar de forma argumentativa, contemplativa, ou por imagens. Destes todos, apenas o pensar argumentativo necessitaria de algum nível de linguagem, já que os pensares por imagem (aquele em que apenas se visualiza uma imagem mental, uma sequência de imagens mentais, e o contemplativo, e mais ainda o inconsciente autônomo, de linguagem alguma necessitam. Apenas como referência ao que chamo pensar por imagens, suponha que chegamos a decisão ou a necessidade de que temos que escalar uma árvore ou uma parede, podemos pensar por imagens, sem crítica alguma, toda a escalada, mas somente o pensar argumentativo, com toques algo racional, por algum meio de linguagem, pode questionar: Esta é a melhor árvore a ser escalada? Tenho mesmo necessidade de escalar? Existiriam outras alternativas? Este é o melhor meio de escalar? Posso me utilizar de alguma ferramenta que possua? Posso construir alguma ferramenta que me ajude a escalar? Posso iniciar a escalada por uma árvore ao lado, e depois passar para a árvore que desejo? O pensar contemplativo, seria quase que o não pensar, apenas observar....
Não pretendo com isto dizer ou afirmar que um complexo cerebral para funcionar plenamente necessite de alguma linguagem comunicativa, no sentido usual que a compreendemos. O cérebro é em primeira instância um órgão funcional, e atinge sua função mesmo sem nenhum critério “inteligível” de pensamento, mas o fato de pensar consciente e inconsciente, em oposição ao processamento meramente automático do controle de nosso corpo, requer um adicional em sua funcionalidade natural. A reflexão é uma evolução recente no caminhar de nossa peregrinação sobre a terra. A comunicação vem logo a seguir em minha leitura desta nossa jornada. A reflexão talvez seja assim um estágio mais avançado ainda do que a capacidade de se comunicar, e o ato um pouco mais simples do pensar. não devemos esquecer que o cérebro não surgiu para nos dar capacidade reflexiva, ele surge para ser um órgão funcional, focado no controle autônomo de diversas funções, assim, a capacidade de reflexão é um plus adicional, derivado natural de uma evolução acidental, que foi sendo selecionada por que nos trouxe ganhos para a sobrevivência e para o legado de descendentes. O cérebro é primordialmente um órgão funcional.
O cérebro, em sua ação básica e natural, age de forma inconsciente sob o funcionar integrado de uma infinidade de processos imperceptíveis, que chamarei de processos zumbis, posto que operam totalmente desconectados de nossa compreensão consciente.
O cérebro age assim transparente ao nosso perceber, mas pensar implica em um algo a mais, na existência de um “alvo” do pensar, mesmo assim este pensar pode ser totalmente inconsciente (como quando nosso cérebro se põe a processar ideias que muito trabalhamos conscientemente e depois nos mostra a resposta. Cientistas e pensadores conhecem bem este processo autônomo, quase mágico, quando depois de muito esforço focado, resolvem dar um tempo e se desligam do trabalho em si, vão buscar certo lazer, e depois de um tempo, dias, horas, semanas, surge aquele momento eureca, quando menos se espera, no banho, no passeio, no jardim, no sexo, e a resposta surge quase que pronta, aparentemente do nada, por muito tempo confundida erroneamente como algo espiritual, nos deixando com aquela cara de como não pensei nisso antes...), pode ser um mix de inconsciente e consciente, e pode ser uma jornada pensante crítica, racional e dentro de um escopo aparentemente consciente, e nestes dois últimos casos necessita assim de um pensar de alguma forma consciente, com algum controle introspectivo, assim ele necessita do “background” dos processos zumbis, e mais ainda necessita de um algo mais, algum tipo de linguagem natural, entretanto intencionada, para permitir discorrer mentalmente sobre qualquer assunto. Não quero afirmar ser necessária uma linguagem formal, complexa, ou completa, ou mesmo parecida com a nossa, entretanto desejo apenas comentar que entendo ser necessário algum domínio de conceitos e de capacidades de correlacionar estes conceitos, necessitamos ainda de um mínimo de racionalidade e de alguns termos mentais de ação e de qualificação. Mesmo que as palavras em si não existam, os termos mentais que as compõem devem ser inteligíveis mesmo que não traduzíveis. Pode até mesmo ser que por debaixo de nossa linguagem tradicional resida algum vestígio de uma “protolinguagem” natural, que deu ao longo da evolução lugar a nossa capacidade de comunicação, racionalização e reflexão. Entendo que o pensar sem este suporte racional mínimo e sem algum pressuposto de linguagem, básica e incipiente que seja, não seria pensar consciente ou inconsciente.
É evidente que os seres humanos possuem um elevado grau de processamentos automatizados, mas possuem também um bom nível de liberdade linguística para que possam racionalizar, se comunicar, ou mesmo somente para discorrer e conseguir um estado de reflexão sobre si e sobre o mundo exterior. Tente você um pensar crítico sobre algo sem recorrer a utilização de algum nível de linguagem, por mais elementar que o seja, é impossível ser crítico neste pensar sem alguma linguagem, poderíamos apenas pensar por imagens ou contemplativamente. Pensar racionalmente necessita de algum suporte linguístico, por mais simples e básico que seja.
Não devemos confundir habilidade, ou inteligência natural, aquela que os nossos processos zumbis nos garantem, e que será tão mais útil e produtiva quanto mais processos zumbis tenhamos operando a margem de nossa consciência, com controle linguístico. Desta forma entendo que tão mais inteligentes seremos, quanto mais e mais processos zumbis, automáticos e sem necessidade de participação consciente alguma possuirmos no subsolo de nossa mente.
Um grande e brilhante desportista necessita agir em miseras frações de segundo, e assim não pode se dar ao luxo de perder tempo racionalizando sobre o que fazer, deve agir sem a intercessão do pensamento consciente, e tão melhor será, quanto mais processos zumbis possua e quão melhor ajustados estes estejam a realidade de suas necessidades. Alguns poderão chamar de ação por instinto, mas independente do nome, são ações e tomadas de decisões automáticas, gerenciadas sem a intercessão da consciência. Isto vale para quase tudo que necessita de especialização, agilidade e rápida tomada de decisão, quanto menos pensarmos, ou quanto mais processos zumbis tenhamos, sendo iniciados imediatamente quando racionalizamos conscientemente uma necessidade, mais rápido chegaremos a um resultado, como se existissem vários processos paralelos, tentando resolver o problema, cada um ao seu estilo e competência, independente do controle consciente, e assim que o resultado apareça, este será levado a consciência para ação. Seremos “melhores” na resolução de problemas quanto mais tenhamos criado novas rotinas transparentes para nossa consciência.
A evolução nos permitiu uma ótima capacidade linguística, porem ao longo de nossa evolução houve tempo em que a não tínhamos, mas ela aos poucos surgiu. Eu pessoalmente sou aderente a uma linha de pensamento de que foi a combinação recursiva e recorrente de linguagem/comunicação, mais habilidades motoras, mais conformação física, e maior capacidade de processamento cerebral, que proveram o desenvolvimento evolutivo do volume de nosso cérebro. O aumento do cérebro permitia melhor linguagem/comunicação/habilidades/processamento, e uma melhor linguagem/comunicação/habilidades/processamento era uma pressão evolutiva por maiores e mais complexos sistemas cerebrais, assim como em uma batalha, sempre que um “evoluía” conseguindo algum salto, forçava o outro a evoluir, e por alimentação positiva esta recursividade da pressão seletiva nos trouxe hoje ao estado de boa linguagem/comunicação/habilidades/processamento (mesmo que imperfeito e cheio de bugs), e a um cérebro de auto poder computacional. Enfim o que quero dizer é que acredito muito que foi a necessidade da comunicação/linguagem/habilidades que forçou ao aumento de nosso cérebro e ambos se realimentavam positivamente em uma escalada de guerra, e nesta continuidade melhoramos o poder do cérebro e de nossa comunicação. O aumento do poder computacional do cérebro nos possibilitou recentemente a capacidade de autorreflexão.
Algo parecido está neste momento acontecendo com muitos animais, não tão forte como nos humanos, posto que a evolução não sincronizou a fala e as habilidades motoras em todos os animais, uma vez que a evolução não possui projeto, ela depende muito da fatalidade do erro de cópia para possibilitar adaptações e a posterior seleção natural destas adaptações. Alguns animais estão em processo mais adiantado, outros em processos ainda embrionários neste sentido, mas a evolução nunca para. Baseado neste raciocínio ouso acreditar que outros animais também possuam habilidades de pensar. Evidências tem aos poucos corroborado esta minha linha de pensamento.
Talvez golfinhos, elefantes e vários símios já possuam algum nível de pensamento mais estruturado, do que possa nossa vã crença nos faz perceber. Creio que o mesmo esteja ocorrendo com outros animais, mas ainda em menor escala evolutiva. Assim mantenho minha posição de que me parece impossível pensar crítica, racional e conscientemente, sem alguma linguagem, mínima que seja, transparente que seja, natural, mesmo que estes pensamentos sejam inexprimíveis e, portanto, além do nosso alcance de percepção. Sinceramente me custa crer que ainda existam pessoas que não abram mão para a oportunidade de que alguns animais são capazes de pensar, por mais primário que seja o seu pensar.
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ateu
Sou um ateu racional e um livre pensador, ou melhor, eu sou um ateu que tenta ser (que se compromete a ser) racional e livre pensador.
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