A luz e o passado que ousa parecer presente
A luz, a faixa visível (e estreita) do espectro eletromagnético, que de forma livre e genérica chamamos de luz é algo notável, e que foi aproveitada pela evolução, sendo selecionado naturalmente seres que tivessem órgãos sensitivos a esta luz, como um diferencial para a sobrevivência, possibilitando assim deixar descendentes que de alguma forma nos permite hoje aqui estar. A luz é tão importante para nosso conceito existencial, ela é tão presente em nosso maior e mais utilizado sentido, o da visão, que até mesmo a criação de mitos da criação não escapou a sua grandeza e importância, onde encontramos em pelo menos um destes mitos, talvez o mais conhecido nestas bandas ocidentais, em especial em um país cristão, a ordem “faça-se a luz”.
A luz é incrível, seu comportamento dual ondas-partículas ainda é algo que encanta, motiva e provoca muitos pensadores e cientistas, mas o que me leva hoje a pensar neste texto, não é o comportamento quântico da luz, mas sim o quanto ela, por sermos seres de elevada existência visual, acaba nos iludindo como sendo ou ocorrendo no “presente” tudo o que vemos. Mas a luz em si, cada fóton ou cada onda, partido do momento presente de sua criação, passa a vagar pelo universo, sendo portadora sempre de imagens do passado. Por ter sua velocidade limitada, não infinita, tudo o que vemos já foi, já aconteceu, é passado, de míseras frações de segundos, quando olhamos por exemplo nossa própria mão, a um delta de tempo que pode chegar a milhões ou bilhões de anos passados, quando olhamos uma estrela, uma supernova e etc. O termo luz acaba sendo muito utilizado culturalmente, literariamente e em metáforas mil. Conta-se que Goethe, instantes antes de morrer, ele que adorava metáforas, teria dito “Mais luz!”. Apenas como lembrança, muitos são os termos e metáforas com a luz, como: “Faça-se a luz”, “Dar a luz”, “luz no fim do túnel”, “brilha com luz própria”, “trazer à luz do dia”, e muito mais. Não podemos esquecer que o cinema e a televisão nos encantam, nos fazem sofrer, nos “prendem”, e são usos de lazer da luz.
Poucos de nós se atêm ao fato de que tudo o que vemos, e mesmo tudo que sentimos, mas neste texto apenas me fixo ao que vemos, já é passado. Se vemos o nascimento de nosso filho, ou um crime, ou uma linda flor, ou mesmo apenas a lua à noite, tudo isto já ocorreu no passado. Alguns até sabem cognitivamente que a luz do sol leva cerca de um pouco mais de 8 minutos para chegar aqui, mas mesmo entre estes, alguns não se percebem que isto implica em ver o sol como ele era a um pouco mais de oito minutos atrás, e não agora, que se ele apagasse, explodisse, ou digamos, mudasse seu brilho, nada saberíamos até que passassem aqueles 8 minutos, tudo pareceria normal para nós por mais oito minutos, este é o sentido real de que a luz é portadora de passado. Menos pessoas ainda se apercebem que mesmo depois de captado o fóton de luz, ou a onda de luz, isto não é percebido conscientemente de imediato, é necessário mais um tempo até que uma vez convertida química-biologicamente em energia utilizada pelos nossos neurônios, esta “energia” precisará fluir pelos neurônios que ligam a retina ao cérebro, sendo então distribuída a diversas áreas para processamento paralelo, e depois ser encaminhada a algum centro que tomará a devida ação de elevar esta percepção ao nível de consciência, e tudo isto necessita de tempo, nada é imediato, assim, nosso presente consciente é sempre passado, por mais que nosso cérebro nos induza a crer que é presente. O nosso cérebro é tão perfeito nesta indução, que um simples exercício bem elementar pode comprovar como nosso cérebro é adaptado para nos iludir como presente sincronizado. Olhe para algum dedo de um dos pés, olhando para ele toque-o com algum dedo de uma de suas mãos, eu tenho a certeza, se você é um daqueles de nós que tem uma mente considerada saudável, que você acreditará totalmente que o sentido do toque no dedo do pé, que o sentido do toque no dedo da mão e a sua visão estão perfeitamente sincronizados, entretanto esta sincronia é “criada” pela máquina maravilhosa de nosso circuito cerebral. Pensemos, são três os sentidos, dois de toque (um no dedo do pé e outro no dedo da mão), e um de visão, isto implica em três diferentes caminhos, do dedo do pé ao cérebro, do dedo da mão ao cérebro, e finalmente um visual, do fóton-onda de luz do momento do toque até a retina e da retina até o cérebro. Distâncias diferentes, meios diferentes e consequentemente tempos diferentes do impulso elétrico atingir o cérebro, em áreas também diferentes, isto implicaria em sentidos em tempos diferentes, mas nosso cérebro, exímio indutor e criador de “realidade subjetiva” faz com que pareçam sincronizados, e no presente, os três “eventos”, ou talvez fosse complicado para lidarmos com três sentidos em três tempos diferentes. Este sincronismo e ideia subjetiva de presente é extensível a tudo o que vemos, e acabamos naturalmente a pensar como se tudo fosse sincronizado e em tempo real, no presente, mas no fundo somos seres conscientes do passado apenas.
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Sou um ateu racional e um livre pensador, ou melhor, eu sou um ateu que tenta ser (que se compromete a ser) racional e livre pensador.
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