Pensando e provocando Conhece a ti mesmo
“Conhece-te a ti mesmo”.
Muitos de nós conhecemos como sendo de Sócrates este aforismo, mas na verdade é anterior a ele, já estava escrito, no pátio de entrada do templo de Apolo em Delfos, sendo assim também conhecida como uma das máximas de Delfos, e deve ter sido de lá que Sócrates pinçou este aforismo como inspiração para sua filosofia. Para Sócrates, conhecer-se a si próprio era o caminho para conhecer a verdade. É claro que Sócrates se referia a verdade aqui, não como uma verdade factual, científica ou mesmo histórica; seria ingenuidade imaginar que Sócrates achasse que por introspecção conseguíssemos chegar a alguma verdade “exterior”, química, física, astronômica, factual ou outras. Mas então qual a verdade que Sócrates tanto se empenhava em que conseguíssemos alcançar? Entendo, que a verdade do que somos, do que podemos ser, do que realmente gostaríamos de ser. E assim alguma “autotranscedência”, como sendo a capacidade de sairmos do comum, do que a sociedade acaba nos fazendo ser, e com um pensamento livre, ousado e curioso sobre nosso eu, poderíamos chegar a alguma verdade, talvez a verdade suprema sobre o que realmente somos enquanto pessoas humanas. (Apenas a bem da verdade, Sócrates acreditava na existência de alguma deidade (eu não), e assim com alguma certeza, para ele, a autotranscedência tivesse um sentido um pouco mais metafísico, místico ou sagrado, o que para mim não faz o menor sentido real). O que Sócrates talvez não soubesse é que nunca chegaremos a nos conhecer plenamente, pelo menos enquanto alguma nova tecnologia não for capaz de decodificar nosso processamento inconsciente, o que talvez mesmo, jamais venha a ser possível totalmente. Em verdade, não conseguimos nos conhecer plenamente, simplesmente porque na realidade de nosso processamento neuronal, a maior parte do que acontece, ocorre no subsolo do inconsciente, somos muito mais inconscientes do que podemos imaginar, e do que gostaríamos de aceitar. O próprio livre arbítrio pode ser mera ilusão para nos dar a sensação de que estamos no controle, quando na verdade, pode ser que sejamos muito mais marionetes daquilo que desconhecemos mentalmente. Entendo naturalmente que podemos aprofundar o que entendemos como conhecimento de nós mesmos, e que cada vez que aprendemos um pouco mais sobre o que somos, sobre o que somos capazes, sobre o que realmente queremos ser, aprendemos também um pouco mais sobre os outros, pois que no geral temos cérebros com estruturas semelhantes, e como vivemos em um mundo de médias, na média, o que somos reflete existência também na maioria dos outros (o que jamais deve ser entendido como que os outros pensem iguais a nós, mas sim que os outros são, também, tão capazes quanto nós de pensar, de sentir e de realizar os mesmos processamentos mentais). Além do fato de sermos seres imensamente inconscientes para a maior parte de nosso processamento mental, e de ser a nossa aparente consciência talvez mera interface entre este mundo enorme de nossa inconsciência e o que acreditamos ter sobre controle, assim, meio que como um jornal, que reflete as manchetes, algumas explicações, mas que nunca refletiria exatamente todo um ocorrido, e mais ainda que dependendo do jornalista ou da linha filosófica do editor, a notícia, aquilo que percebemos como consciência, poderá em um momento ter uma certa “cara”, e talvez já em outro momento ter uma “cara” um pouco ou mesmo muito diferente. Para agravar nosso desconhecimento sobre nós mesmos, nosso cérebro é cheio de falhas, simplesmente porque não houve projeto algum, e sim um contínuo desenvolvimento por evolução, cuja pressão selecionadora atuava sobre algumas necessidades, e nunca sobre testes de qualidade ou de busca de perfeição. Assim somos bastante afetados, que os psicólogos e neurologistas me ajudem, por eventos tais como: Indução, priming, ancoragem, preguiça de pensar, acreditar em autoridades de um saber, modismos, e muitos outros... e também pela maravilhosa e magistral capacidade plástica de nosso cérebro, através de contínuo redesenho do circuito neuronal, criando novas conexões, desfazendo outras, reforçando algumas mais, e minimizando outras (além da perda contínua de elevado número de neurônios e da criação de alguns novos), assim o que somos agora, já não o seremos logo mais quando estivermos tomando um banho, lendo um livro ou indo dormir. E encerrando este texto, cabe comentar que nosso cérebro não opera como um processador central de computador atual, onde os transistores operam fortemente como interruptores ativos, estando ligados ou desligados, nosso circuito neuronal possui elevado nível de ruído e ressonância, nossos neurônios não são individualmente bons interruptores, existe uma grande incidência de tentativas de mensagens trocadas sem conseguir alcançar seu objetivo, além de seu processamento ser descentralizado e paralelo, possibilitando assim múltiplos caminhos. Isso é magistral, pois isso faz de nós, não robôs repetitivos, mas seres dinâmicos e reais, seres múltiplos mas únicos, seres individuais, mas capazes de sermos seres sociais.
Conhece-te a ti mesmo, uma busca linda, mas interminável, uma utopia que deve ser posta em movimento, mas na qual nunca encontraremos o nosso real eu, ou se eu estiver certo, os nossos reais eus.
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