Ofensas muitas vezes não tem intencionalidade, e nós mesmo podemos ser agentes dela

Eu quase começo este texto com “é curioso”, mas o que realmente desejo escrever é que é preocupante como muitos de nós, e eu não me eximo de poder estar entre estes, acaba por “sentir” e imaginar intenções maldosas em certas atitudes e palavras dos outros. É claro que existem pessoas maldosas, mas eu entendo, ou prefiro acreditar, que a maioria das vezes, não existam intenções dolosas nas atitudes e palavras que podem nos machucar e ofender, entendo por outro lado que o que ocorre é um certo descaso empático com os outros, um certo ciúme, até mesmo certa inveja, e muito de falta de senso humano e social. Pessoas, infelizmente, acabam agindo e falando sem o filtro da sensibilidade humana, sem sentido social, e algumas vezes até mesmo como provocação, mas sem um dolo adicional, pois que acreditam que podem falar o que quiserem, visto que de alguma forma quase todos nós acabamos revestidos com certa prepotência, com certa indiferença, e com certa vaidade. O que me preocupa, é que muitos de nós, na forma como leem estes fatos, percebem intencionalidade pessoal, intendem maldade intencional, e não uma displicência humana, e não apenas uma característica, errada por sinal, mas apenas uma característica da personalidade daquele que sem filtros sociais e humanos age de forma a magoar e até mesmo algumas vezes ofender os outros. Como resolver isto? Não sei. Pode ser que eu mesmo navegue entre estas situações, que algumas horas seja agente de provocação desumana, e outras horas seja eu mais um dos que sucumbem a sensação de que seja eu um sofredor, de que a maioria dos outros não me entende e que por isso sofro, de que aquilo que falam ou que fazem, o fazem e o falam, contra mim. 


Na realização de múltiplas pessoas, como entendo que no fundo somos todos, e no baixo nível de consciência que todos carregamos, consigo algumas vezes me pegar nestes dois papéis, mas pode ser que estes momentos de rara consciência não simbolizem o todo dos momentos reais que me vejo, por um lado, arrolado em ser agente de provocação desumana (quero deixar claro que ser agente de provocação por alguma transformação social e humana é um dos máximos que percebo na existência humana, o que me incomoda não é a provocação para pelo menos fazer repensar nossos conceitos, e sim na provocação que envolve algum nível de humilhação, ofensa pessoal, defeitos naturais, ou seja, provocações que nada somam pela dignidade humana, e que ao contrário levem a dissolução dolorosa desta mesma dignidade em alguém ou em algum grupo social), ou por outro lado como agente que se entrega ao sofrimento por interpretar como pessoal as atitudes de outros. Em momento algum desejo deixar passar a sensação ou a impressão de que esteja defendendo características de personalidade ou de caráter que não levem em conta filtros sociais e humanos, pessoas desajustadas em sua humanidade, ou melhor, pessoas que se perdem em sua desumanidade, não merecem defesa, merecem sim ajuda e merecem cuidados. Estas pessoas, e quem sabe eu mesmo, sofrem de certa falta de sensibilidade humana, de falha de caráter e de personalidade, ou mesmo de descontrole funcional mental. Agora, mergulhar em sofrimento por algo que não é pessoal, ou que a maioria das vezes não é pessoal, não deve ser nossa alternativa. 

Eu sei que cada um é cada um, que cada um sente e realiza introspectivamente seus sentimentos de forma pessoal e única, mas o que desejo passar é que nossa felicidade, ou a busca dela, deve ser resiliente para superar e se ajustar, momento a momento, a estas provocações, e retornar ao seu estado de normalidade emocional, com mais força de vida ainda, e é claro, colocar aquela pessoa como uma das pessoas não confiáveis, e retirá-la, se algum dia lá esteve, da lista de nossas amigas, mas manter, por mais estranho que possa parecer, um respeito humano, pois que muitas vezes aquela pessoa que identificamos como perversa ou má, sofre de algo que nem ela mesma percebe. Sem o desejo de fazer alguma comparação exata, uma pessoa diabética não pode ser “culpabilizada” diretamente por isto, uma pessoa que sofra de pressão alta, ou portadora de do vírus de herpes e assim por diante, não pode ser responsabilizada por isso, a menos que sabedora do fato, não se cuide, ou não se esforce em tentar manter cada uma desta situação sob controle. Assim, uma pessoa que age segundo desequilíbrios mentais, e que acabam por melindrar e ofender terceiros, arrotando certa prepotência e vaidade, mas que não o fazem no domínio de um interesse malévolo, merecem cuidado e atenção, merecem tratamento e acompanhamento. Eu não quero dizer que cada um não seja responsável diretamente pelo alcance de seu comportamento (sim, ele o é), de suas palavras, ou de suas atitudes, sim o é, mesmo doentes mentais, retirado o dolo, são responsáveis pelos reflexos do que fazem, pelo alcance de seus atos, pois que entendo claramente que a sociedade, o coletivo, é sempre muito mais importante que o individual, e em casos extremos, este desequilibrado deve até ser retirado do convívio social (para sua possível recuperação), pelo próprio bem social e coletivo. O que eu digo é que não devemos cair em sofrimento por que alguma pessoa desequilibrada fale ou aja segundo o que entendemos ser uma provocação aberta ou intencional contra nós. Muitas atitudes acabam acontecendo apenas, como disse, sem o senso de responsabilidade e comprometimento, pela dignificação do outro, eu mesmo muitas vezes posso estar caindo nesta situação, mesmo que por inercia, descaso ou inação. Estas mesmas pessoas, algumas vezes, que nos provocam, e que nos parece pessoal, tem consciência de nossas virtudes, nunca falam mal de nós para os outros, mas acabam pela simples falta de mínimo domínio de seu comprometimento humano, tropeçando nas próprias vaidades, nas próprias prepotências, e de forma a dar vazão a certa arrogância, ciúmes ou certa inveja, nos provocam, e entendemos como ofensas pessoais. Pode ser que eu gerencie um pouco melhor esta situação e não guarde mágoas maiores, mas quem sabe, ao contrário, eu apenas esteja sublimando temporariamente este sentimento de dor, e simplesmente acabe colocando cada um destes atos e palavras que entendo pessoais e ofensivos, em uma espécie de cesto de dor, e que de tempos em tempos, ele acabe por transbordar e eu em um súbito momento de descontrole, as vezes com a pessoa errada, no momento errado, e por causas até mesmo mínimas, me transforme e despeje sobre esta pessoa, ou mesmo sobre a sociedade, todas as mágoas sublimadas ao longo de certo período de tempo, e acabe agindo de forma desumana e indigna, exatamente o contrário do que tento ser e tento mostrar aos outros. Pode ser que em um repente de descontrole eu ofenda, magoe, até mesmo tripudie, com toda a minha força, baseado naquele somatório de sentimentos não trabalhados mentalmente, apenas depositados no cesto geral de dor, como se fosse suficiente esconde-los de mim e dos outros.

Para terminar, eu gostaria de expressar que sei claramente que falar é muito mais fácil do que fazer, mas acho que é possível e que podemos pelo menos tentar. Eu sei também que não sou dono de verdade alguma, e que posso estar tão errado quanto a possível cegueira da difícil arte e competência de viver possa estar me levando a ser, sei que posso estar falando segundo interesses próprios, e que posso estar defendendo como verdade, simplesmente aquilo que acho que sou, pois que acaba sendo mais fácil defender o que sou, do que sentir a dor da necessidade de uma transformação. Eu sei que não posso tirar todos pelo que sinto, pois que tenho uma genética própria, e tenho uma história de vida também própria que construiu assim meu fenótipo. Tenho conceitos e preconceitos que são também próprios e entendo que a mente, por natureza e falha e cheia de bugs, é plástica e transformável, e que cada um acaba sendo um ser único em sua construção subjetiva de seu ser, mas posso tirar por aproximação que característica que tenho e que sinto, são de alguma forma também passiveis de serem construídas e sentidas por todos, pois que nossa média, nosso bolsão genético é comum a todos. Me perdoem se pareceu um desabafo, mas é sim um desabafo, e me desculpem todos para os quais eu acabei por realizar algum destes estremos, ou o de ser agente de provocação indigna, ou o de entender como pessoal provocações que não são pessoais. A desculpa aqui, nada tem a ver com pedido de perdão, pois que não acredito no conceito de perdão, sou eternamente responsável pelos atos e pelo alcance destes atos, a desculpa é no sentido de apenas dizer que errei, mas que estou tentando, e assim todos devem se sentir a vontade para me fazer ver meus erros, que não devem ser poucos.

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