Eu, quem sabe um dos meus seres, minha breve história do meu tempo

Nos idos da década de 60 nasciam muitos bebês, e eu era um deles, nada mais do que ninguém, entretanto também nada menos do que qualquer outro. Não nasci crente (ninguém nasce) e também não nasci ateu (pelo menos não um ateu consciente, que precisaria assim de consciência de que não acredito no transcendental), nasci como todos os filhos de humanos, nasci animal, vertebrado, mamífero, grande primata, eu nasci homo sapiens (pois que a evolução não atua de forma tão direta. Homo sapiens, pois que filho e neto de homo sapiens), então nasci humano. Filho de pais católicos, em pleno pais cristão, não tardou para que me catequizassem (erradamente, pois que crianças não são para serem catequizadas em nada, elas são crianças, e devem ter uma infância como crianças, livres, curiosas, e com alguns limites, mas nunca catequizadas, elas crescerão, e como adultas poderão escolher o caminho a seguir, mas para as religiões este é um risco que elas não estão dispostas a correr, pois que é lema (fazei seguidores)), para que fosse mais um cristão católico. 

Diferente da maioria, nem melhor e nem pior, apenas único em minha forma de ser e pensar, algo não corria como esperavam, desde muito cedo me era impossível acreditar em muitas coisas que tentavam me ensinar, muito do que via e era forçado a aprender não me parecia verdade (até hoje eu me pergunto porque ainda insistem em manter impossibilidades apenas para forçar uma questão de fé). Assim, não tardou para ter um certo desgosto pela religião que tentavam me catequizar, a católica, mas ainda assim acreditava piamente na existência de um deus, crença esta que se baseava na criação, na aparente beleza (hoje entendo claramente que a beleza é um atributo secundário, não é um atributo próprio de nada em si, e sim um atributo pessoal construído mentalmente, subjetivamente, na mente de cada um, e que assim vemos o belo no que “gostamos”, e não o contrário que gostamos porque algo seja belo). Minha crença se baseava também na aparente perfeição (perfeição esta que não existe), e na crença da existência necessária de uma causa primeira (que hoje é facilmente descartada) para que tudo aquilo (o universo) existisse (e em sua plena complexidade que se ajusta e “funciona”), e desta forma acreditava que deveria haver um criador primeiro. Assim acreditava em um deus pela beleza da natureza, pela complexidade natural, pelo que via como perfeição da vida e do universo, e por uma necessidade de que tudo não podia nascer do nada, e assim entendia que deveria existir um “relojoeiro”, para que o “relógio”, que entendia perfeito, do todo, e em especial da vida e do cosmos pudessem existir (hoje é tão claro que o nada absoluto não existe, e que a mesma regra deveria ser aplicada assim a um deus. Quem criou este deus? Quem criou o deus que criou o deus? Desta forma, se os crentes podem parar a regressão em um deus que não foi criado, eu também poderia, desde aquela época, parar um pouco mais cedo e dizer que o natural assim, sempre existiu, entendendo aqui o natural como um escopo maior que o nosso próprio universo, mas o todo que engloba nosso universo como uma das muitas possibilidades, reais, porque aqui estou).

Como muitos jovens, tinha um que de revoltado, sem saber exatamente o porquê, e como muitos jovens ansiava por experiências, por aprendizados, por conhecimento, e não sabia diferenciar, ainda como muitos jovens, ciência de pseudociência, desejos de verdades, saberes de vontades. Foi uma época em que conheci Rajneesh e Elena Petrovna Blavatskaya (mais conhecida como Helena Blavatsky ou Madame Blavatsky), tudo era novo e parecia ser um caminho, um novo meio de ser. Com o passar do tempo fui novamente me decepcionando com as, muitas vezes impossíveis, outras sem sentido, colocação de ambos, e fui me encantando por uma instituição espiritualista que passei a frequentar. Não conseguindo acreditar na reencarnação e nem no destino, este centro espiritualista se encaixava como uma luva, pois que também não aceitava, em sua linha filosófico-mística nem o destino e nem a reencarnação, esta instituição foi muito marcante em bom tempo de meu final de juventude até cerca dos 30 anos, eu tenho orgulho de ter passado por ela, o Centro Espiritualista Jesus no Himalaia. Foi uma época que muito li, sempre ávido por aprender, por conhecer, por ler o mundo e o social, li bastante: Fulton J Sheen, Eliphas Levi (lembro, como se hoje fosse, dos “a chave dos grandes mistérios” e “dogmas e rituais da alta magia”), Papus, Prentice Mulford, J. Krishnamurti, Pietro Ubaldi, e também, apesar de não crer na reencarnação e no destino, Allan Kardec, até mesmo para entender o porquê muitos acreditam na reencarnação e no destino. Tenho que admitir que muito amei aquela instituição, principalmente pela sua estrutura de apoio social. Tínhamos o único banco de leite materno público aberto a toda a população, mantínhamos 200 idosos, tínhamos berçário, maternal e pré-escola, além das campanhas avulsas anuais, como a de enxoval de bebês para mães pobres, Campanha de natal com 800 bolsas de gêneros alimentícios, e campanha de inverno com cobertores. Vou falar algo que creio que nunca me abri com ninguém, mas o que mais me motivava era que todo o trabalho social era totalmente desconectado de qualquer catequese. Nenhum dos assistidos frequentava qualquer evento místico, isto era fantástico, uma obra de assistência social, baseada em uma instituição espiritualista, que nenhum assistido seguia ou frequentava, a assistência social era totalmente livre de interesses religiosos. 

O tempo passava e meus estudos passaram a ser mais voltados para a ciência, para a filosofia (em especial as analíticas e da ciência), passei a ler pensadores livres, franceses, como entre outros André conte-Sponvile, passei a ler Karl Marx, Kant, Hume, Descartes, Diderot, Thomas Paine, Nietzsch e Bertrand Russell, conheci Epicuro, o Barão D’Holbach, Jean Meslier, e passei a estudar a bíblia com olhos livres, passei a ser libertário, e muitas outras mudanças se passavam em minha mente, e nesta época, aquilo que me movia a acreditar na necessidade da existência de um deus, hoje entendido como o falso conceito de beleza, perfeição, da causa necessária primeira, começavam a ruir totalmente. Quanto mais eu estudava, mais observava, mais questionava, mais buscava a realidade por detrás da superficialidade dos eventos ou dos fenômenos, mais eu percebia que não existe perfeição alguma, em nada, que o idealismo é um sonho irreal, que a vida, e nós nela somos frutos da evolução, que a vida em si pode ter surgido de diversas formas, e que o universo era puramente fruto de eventos naturais. Tudo tinha uma coerência lógica, mesmo que as vezes aparentemente não intuitivas, e que assim deus ficava sempre e cada vez mais desnecessário, de início, caía na tentação de me agarrar a buracos na explicação, que pouco a pouco, com o caminhar da ciência eram um a um fechados (até hoje ainda é uma forma de muitos crentes tentarem justificar para si suas crenças, pois que a ciência não explica tudo), e assim como já havia caminhado de cristão católico para espiritualista cristão, a consequência do que experimentava e do que observava, me levou ao materialismo, e deste naturalmente ao ateísmo. Eu, na verdade, não me tornei um ateu diretamente, entendendo o materialismo como real, sendo eu uma espécie de materialista realista naturalista, não havia outra possibilidade a não ser assumir o ateísmo. Por favor não confundam o materialismo como sendo aquilo que ama os bens materiais, e as riquezas, acima da vida, isto não é o materialismo, isto seria uma desumanidade, e uma ganância. Esta associação é feita por irresponsáveis e inescrupulosos defensores de uma mentira em nome de fazer parecer o materialismo como algo indigno. Ser materialista, e eu sou, é entender que tudo que existe há de ser natural, há de ser real, há de ser derivado, ou pode ser reduzido, em alguma instância, a matéria, a energia, ou a algo natural, há de ser imanente, e pertencer ao nosso espaço-tempo, ou a outros “espaços tempos” não menos reais, paralelos ou primários, de onde nosso universo seja irmão ou derivado. O materialismo, o naturalismo, e o realismo (em oposição direta ao idealismo) me impossibilitam crítica, racional e livremente, (apesar de eu mesmo, no início, ter buscado alguma ligação) de buscar alguma forma de incluir algo transcendental, assim o ateísmo foi o caminho mais que natural. Tenho que admitir que não foi fácil “sair do armário” e assumir publicamente meu ateísmo. Todos os meus amigos, e todos os membros de minha família eram religiosos, com pequenas variações, mas no geral eram cristãos (nem todos), e desta forma passei por um tempo a me assumir como agnóstico, pois que me facilitava muito não ter que comungar com as crenças, dogmas e rituais religiosos e nem ter que aceitar um deus. Mas o tempo passava, e manter uma mentira, ainda mais deste porte existencial é muito difícil. Nasceram meus filhos, e me sentia um fraco por meus filhos terem um pai que não se assumia. Nesta pressão, não havia outro caminho, até que dei o “salto na luz”, apenas em contraposição de ideias ao “salto no escuro” de São João da Cruz, e assumi publicamente meu materialismo-realismo-naturalismo-ateísmo, retirando da mente, e das costas, um peso enorme.

Até hoje sofro um pouco com isto, meu pai aceitou bem, entretanto minha mãe até hoje não aceita, tem vergonha, sente como se ofendida e desgostosa, mas que pena para ela, mas não posso fazer nada, porque ela sequer aceita falar do assunto. Tenho amigos, poucos é verdade, que até hoje não me aceitaram no seu facebook, é claro que não falam o porquê.

A origem da vida, a evolução, o surgimento do neurônio inicialmente apenas para dar suporte mais rápido a sobrevivência, e depois seu aproveitamento como sustentáculo reptiliano, depois mais ainda ao cérebro mamífero, e em algum momento ao cérebro primata-humano (até hoje nosso cérebro possui claramente estas três diferenças, a evolução em geral nunca joga fora algo que deu certo, e sim reaproveita, e no caso do cérebro a evolução se deu criando níveis externos, superiores, envolvendo cada nível interno, indo do mais interno o cérebro reptiliano, a segunda camada do mamífero e a mais externa aquela que nos diferencia mais fortemente a camada primata e finalmente a humana. O desenvolvimento do cérebro, levando a possibilidade da emergência da mente, da consciência, e da autoconsciência de que podemos ser conscientes foi um processo totalmente natural, e o relojoeiro perdeu toda sua razão de existir.

É claro que não posso provar a não existência de um deus, como ninguém pode provar a não existência, em escopos abertos, de nada, entretanto, cabe a quem crê na existência, provar que este algo existe, basta uma única prova, uma, somente uma prova real, e estará provado a existência. Eu não posso provar que não existe aqui na terra, ou em algum outro lugar, um outro eu, um elefante que voa, um bule que fala, ou um deus Abraâmico, mas basta que me mostrem um, somente um exemplar de qualquer um deles, que eu sou obrigado a racionalmente aceitar sua existência.

No tocante a vida, por favor, não me venham com a falácia de mandar, então, criar uma do zero em laboratório. Cabe comentar que já criamos uma bactéria primária, montando do zero um genoma próprio para ela, entretanto a bem da verdade, com partes já orgânicas. Mas vamos lá, o universo teve mais de sete bilhões de anos para criar do inorgânico a nossa vida. Que ocorreu a cerca de 3 a 4 bilhões de anos atrás. Agora quererem que o façamos em laboratório em anos, é pura brincadeira. Talvez não seja possível criar uma vida do zero, do totalmente inorgânico, em uma existência humana. Talvez o tempo de maturação natural para surgir uma vida seja realmente de bilhões de anos. O que a ciência tem que fazer é concatenar, pelo menos uma, sequencia viável, lógica, do inorgânico ao orgânico e deste a um replicador que possa ter levado a nossas bactérias, pois que todas as demais vidas são decorrentes destes replicadores primeiros, destas bactérias (ou algo próximo a uma bateria) que por evolução levou a esta variedade enorme de espécies de vida, fora as bilhões delas que se extinguiram ao longo da jornada de bilhões de anos. A ciência não tem que criar necessariamente uma vida, se o fizer, que ótimo, mas não é obrigação da ciência. Vamos, apenas por comparação e esclarecimento, lembrar que hoje a ciência conhece toda uma sequência lógica para a criação de uma estrela e sua existência até o seu fim, e nenhum cientista, pelo que eu saiba, conseguiu criar uma estrela completa em laboratório, o tempo para o surgimento e para a vida de uma estrela é de bilhões de anos, e não se espera de um cientista que viva tanto para criar e acompanhar a vida de sua estrela criada. O tempo de maturação, o volume espacial, a quantidade de matéria necessária inviabiliza esta jornada. Com a vida pode ocorrer algo semelhante, pode ser que sejam necessários milhões, talvez mesmo bilhões de anos de maturação para que a química de o salto para a biologia. De novo, o que é necessário é que tenhamos uma sequência viável, explicável, do caminho do inorgânico até a vida. Por que cargas d’agua cobram da ciência, que como não cria uma vida no laboratório, isto é prova da existência de um deus.

Se você amigo leitor, chegou até aqui, pelo menos conhece um pouco mais deste amante da vida, da ciência, do social, e do natural. Por favor, você não precisa acreditar no que eu creio, mas pelo menos você me conhece um pouco mais.

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