Sou
Posso até me afastar de todos, entretanto por mais que
deseje, enquanto mantiver um mínimo de saúde mental, jamais conseguirei me
afastar completamente de mim mesmo. Posso me abandonar ao acaso, posso me
perder em afazeres, posso me largar de tudo, mas serei eterno escravo de mim
mesmo, acompanhante, solitário fisicamente, mas sempre cercado mentalmente de
vários eus.
O embaraço maior não é necessariamente ter de conviver
comigo mesmo, o complexo é saber quem sou eu, quantos somos eu, quando cada um
de mim surge, aparentemente do nada, para submeter temporariamente os todos que
já sou. Ter que conviver comigo mesmo é complexo, contudo mais caótico é ter
que ser a cada momento uma metamorfose de mim mesmo, uma simbiose descontrolada
conscientemente daquilo que posso ser, onde não possuo domínio sobre todos aqueles
que sou. Sou muitos, sou mutante, sou um eterno aprendiz de mim mesmo. Descubro
que não sei sequer quem realmente sou, quem realmente serei, tenho vaga ideia
daquilo que gostaria de ser, muitas das vezes desalinhado com aquilo que
deveria ser.
Uma vez que mal me entendo enquanto ser, como posso ser
iludido de que posso entender os outros. Se muitas vezes me perverto,
corrompido por alguns dos que sou, como posso exigir dos irmãos perfeição
ética. Se sequer sou dono do que desejo ser ou fazer, se entendo o livre
arbítrio como mais uma das falácias e ingenuidades que construímos sobre nós
mesmos, principalmente pela presunção de que somos donos de nós mesmos. O livre
arbítrio implicaria em um poder que no fundo não tenho. Quando decido por algo,
meu cérebro, o real construtor dos muitos que sou já agiu independente de poder
consciente meu, e me faz crer que sou eu quem decidi, quando iludido pelo
desejo arrogante de ser um espécime superior, me vejo capaz de ser consciente
de tudo quando sou. Sou sim um animal muito inconsciente de quase tudo.
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