Sou

Posso evitar, pelo menos posso tentar, posso até fugir de muitas coisas, mas estou eternamente (enquanto existir) confinado a ter que me aturar por toda a minha existência. Jamais serei senhor de me abandonar, jamais deixarei de estar comigo mesmo. Serei para sempre, enquanto vivo, servo e senhor, escravo e soberano, ator e diretor, de mim mesmo. Somente existe uma alternativa, a morte, mas esta significa o fim do sujeito e do complemento, o fim do ser e do existir, enfim o fim absoluto, incondicional e irrestrito, do que vive, do que experimenta, do que realiza, e mesmo do que tenta fugir. 

Posso tentar me esconder de mim mesmo, mas sendo eu, o eu mesmo que vive e existe, o eu mental, subjetivo, horas consciente e outras horas inconsciente, que dá vida e existência ao que sou, não há como possa realmente me esconder de mim mesmo, é a sina dos vivos: Viver sua única existência real, sendo muitos, complexo e mentalmente em transformação. 

Posso até conseguir enganar alguns. Por um tempo, posso até acreditar que me engano. Posso me drogar, posso me embebedar, mas mesmo bêbado, drogado ou fingido, serei eu mesmo realizando uma existência passageira, drogado, bêbado ou iludido. 


A fuga do eu é impossível, pois sou minha mente, e minha mente produz os entes que sou baseado em meu circuito neural e nos neurotransmissores que o irrigam. Assim, sou o que mental, neurológica, biológica, química e fisicamente sou. Por sorte, ou melhor, por evolução, o cérebro é um corpo material com plasticidade de circuito, e possibilita rearranjos múltiplos. Posso assim mudar, e mudo o tempo todo, sendo hoje diferente do que ontem fui, sendo agora diferente do que a instantes fui, sou sugestionável e tenho, como todos, uma série de bugs no processo cerebral, não somente por isto, entretanto sou complexo, mas serei sempre eu, um eu que é diferente ao longo do tempo, mas que possui uma linha básica cerebral definida que sofre ajustes constantes pela plasticidade parcial que o cérebro permite. 

Se não posso abolir-me, “destruir-me sem me destruir”, resta-me assim a possibilidade de me assumir e realizar uma vida comigo, construindo e sendo afetado pelo mundo, buscando crescer e encontrar minha real humanidade. 

Comentários

  1. Obg Arlindo por seus textos.. São bem esclarecedores e me fazem um bem danado. Esse por exemplo veio na hora certa: um momento em q eu nao quero ser eu. Mas agora vejo q eu "tenho q me aturar". Valeu e continue assim. Parabens!

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