Vivemos apenas no presente, entretanto a consumação mental e subjetiva de tudo, é sempre passado, mas que o percebemos como presente

Vivemos diversos paradoxos, um deles, que acho curioso e interessantíssimo é que apesar de realizarmos nosso viver apenas e tão somente no momento presente, nossa “realidade” de ser, nossa percepção do existir, nossa consumação mental e subjetiva desse viver, até mesmo nossa consciência do existir, mesmo de quem nós somos, é algo que somente é “captado e percebido conscientemente” no passado, apesar de termos a nítida sensação de momento presente. A sensação nítida do viver é de presente, mas a realidade vivida e experimentada conscientemente (até onde é possível alguma consciência) é no passado. Isto se deve a velocidades finitas das coisas, da luz, do deslocamento de sinais por nossos nervos, da necessidade de distribuição, processamento, construção de mapas mentais e alçamento do “resultado” final de cada processamento cerebral, ao que entendemos como consciência. Assim, o tempo gasto e necessário para percebermos cada coisa, cada evento, cada pensamento, cada emoção, sentimento ou reação, estará sempre presente como realidade intrínseca de tudo, fazendo assim, com que sempre, nossa realização do presente, se de sob fatos e informações subjetivas já passadas. De forma simplista, é necessário tempo para captar o “contato” com o mundo externo, com o meio ambiente, ou com nosso próprio corpo, em eventos biológicos, se dando através da conversão em impulsos bioquímicos, por um dos muitos e muitos sensores naturais espalhados interna e externamente em nosso corpo. É necessário tempo para conversão da sensação em impulso elétrico, tempo mais para que este impulso possa caminhar pelo corpo até atingir nosso circuito neural principal, tempo ainda para ser decodificado, distribuído e processado pelo cérebro, e ainda mais tempo para que o resultado deste processamento mental e subjetivo possa ser alçado ou “encaminhado” consciente, para que tenhamos assim a impressão consciente, a sensação de consciência do percebido, e de tal forma sincronizado que nos pareça “em tempo presente”, já sendo na verdade passado. Mesmo apenas algo subjetivamente pensado, ou processado mentalmente, ou mesmo apenas imaginado, requer tempo para distribuição interna ao circuito cerebral, processamento, mapeamento mental, unificação do resultado, e tempo final, de novo, para alçar o resultado daquele processamento mental a algo que nos pareça consciência.

Tudo o que vemos, ouvimos, sentimos ou percebemos é passado, podemos não ter o costume de pensar sobre isto, mas até este pensamento, quando finalmente o transcrevo para estas letras, já foi no passado. A chegada de um amigo, a sensação de prazer de um tórrido ato sexual, a simples percepção de troca de cor de um sinal de transito, observar as ondas do mar, a lua, o sol, as estrelas, tudo, absolutamente tudo que percebemos ou pensamos, incluindo a nossa, para mim, falsa sensação de total controle consciente de nosso livre-arbítrio, é passado, algumas percepções em um passado ultra recente, como talvez da ordem de milissegundos, outros com variações diversas de segundos (cerca de um segundo e meio para “ver” a lua), até mesmo a casa de minutos, horas, ou mesmo milhares, milhões, ou bilhões de anos (para alguns corpos celestes ou agrupamentos destes corpos). Este paradoxo não nos incomoda normalmente, pois que não o percebemos, muitos ainda olham para o céu, para um ponto distante, e imaginam estarem vendo imagens realmente no presente, apenas um conhecimento pode “derrubar” esta sensação. Mesmo parecendo estranho este paradoxo, para a astronomia isto é essencial, é fenomenal, é maravilhoso que assim o seja. A velocidade finita da luz é um presente inestimável da natureza pois que nos permite descortinar até bilhões de anos no passado, bilhões de anos de história natural. Cada fóton enquanto viaja pelo universo, traz consigo a história de sua origem ou da última vez que foi refletido. Cada fóton é um mensageiro “ávido” a nos passar informações, bastando saber como interroga-lo.

O cérebro evoluiu, entre muitas outras características, para sincronizar percepções como algo presente, ou pelo menos para tentar fazê-lo, quando possível. Apenas por curiosidade, olhe para seus pés descalços, com algum dedo de sua mão toque algum dedo de seus pés (depois você pode fazê-lo com o cotovelo, ou se tiver alguma flexibilidade faça o toque em um dedo do pé com o seu nariz, apenas para perceber que a distância dedo do pé cérebro, e a distância por exemplo do nariz ao cérebro, apesar de bem diferente, o que implicaria em tempos de deslocamento da sensação diferentes, é totalmente insignificante para o experimento), e você jurará, de forma sincera, que o que vê e o que sente dos toques, tanto no pé como na mão (e depois mesmo com o nariz) estão sincronizados e no presente. As sensações de toque no dedo do pé, no dedo da mão (ou no nariz ou cotovelo) “ocorrem” totalmente sincronizados com a percepção da visão do toque (mesmo que você se utilize de um espelho (o que aumentaria a distância de deslocamento do fóton) e que te parecem exatamente no presente. Agora racionalize um pouco, e perceba que cada toque ocorreu a distâncias variadas do cérebro, e a visão em outra distância e ocorrendo em meios físicos diferentes. Perceba que cada evento precisou e gastou tempos diferenciados para que a informação chegasse até o cérebro, além de tempos de distribuição, mapeamento e processamento diferenciados, enquanto já no cérebro. Os toques do dedo da mão e do pé envolveram sensores biológicos sensíveis ao toque, que necessitaram de um tempo para converter o toque em impulso elétrico, gastaram tempos diferenciados para percorrerem o corpo (distancias variadas) desde o sensor até o cérebro, já a visão (direta ou por espelho, o que implica em distâncias diferenciadas) implicou no gasto de tempo do próprio fóton da origem do toque até a retina ocular, tempo de conversão da coleção de fótons em impulsos elétricos, tempo de movimento destes impulsos da retina até o cérebro. Ao chegar ao cérebro, em tempos claramente diferenciados, cada sensação e percepção precisa de tempos também diferenciados para o seu processamento e mapeamento, e ao final mais tempo para sincronizar os eventos e finalmente mais tempo para elevar o resultado do processamento mental a algo que nos pareça consciente, e finalmente, findada esta jornada, temos a nítida ilusão de plena sincronização das percepções (pela maravilha de processamento cerebral) e que tudo ocorreu no exato tempo presente, como se não existisse este tempo gasto em todo o processo de captura, e sensação algo consciente de percepção do fato. Desta forma somos eternos “prisioneiros” de sentir e perceber o passado, somos “prisioneiros” do tempo decorrido, por um lado pela velocidade finita das coisas em si e da luz em especial, e por outro lado pelo tempo necessário a converter e processar toda e qualquer sensação percebida por algum de nossos sensores biológicos, e alçar o seu resultado a algo consciente para que possamos ter sensação de conhecimento do fato. Estaremos sempre encobertos e protegidos pela realidade necessária, de tudo e de qualquer coisa que esteja realmente acontecendo no exato momento presente, pois somente o perceberemos após algum tempo. 


Este somos nós, este é um serviço maravilhoso de nosso cérebro, natural, imanente e real. Desta forma muitos e muitos de nós sequer se atêm ao fato de que tudo que veem, sentem, percebem, pensam ou ouvem, se deu no passado, apesar de viverem somente no presente. Para muitos chega a parecer ofensa, dizer que se o sol acabasse agora, continuaríamos, por um tempo, neste caso curto, a nada saber do que ocorreu com nosso astro “maior”, simplesmente porque as pessoas acreditam que o que veem é presente, e se esquecem que a velocidade finita da luz impede isto. Apesar de inúmeras falhas, não somente em nosso circuito cerebral, mas também por todo o corpo biológico, e estas falhas são normais exatamente porque a evolução não busca o melhor, busca o que deu de alguma forma certo para garantir sobrevivência e descendentes, exatamente porque não há projeto, design, ou mão pesada ou leve de deidade alguma neste processo. Somos mais maravilhosos ainda quando assim nos percebemos, frutos naturais de uma natureza plenamente natural, insignificantes quanto a grandeza absoluta de todo universo, mas somos reais, somos plena realização natural desta mesma natureza, e isso é mais importante que qualquer projeto falacioso.




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Sou um ateu racional e um livre pensador, ou melhor, eu sou um ateu que tenta ser (que se compromete a ser) racional e livre pensador

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