Darwin e a hereditariedade como elo lógico vital para sua teoria
Em continuação a sequência de textos dedicados a Darwin e a publicação de sua teoria, escrevo esta quarta composição da série. Ao final desta publicação disponibilizarei links para as demais.
Darwin era um homem polido, com grande respeito pelos seus amigos e família. Ele era um obstinado pensador, um metódico e criativo estudioso e pesquisador, um teórico como poucos, e com uma capacidade de percepção de detalhes que o colocavam muito acima da média. Perspicaz, ele tinha plena consciência do poder revolucionário de sua teoria, em especial quanto a radical quebra dos até então fortemente estabelecidos paradigmas da criação da vida, catequizados, doutrinados e defendidos como verdade absoluta pelo poder religioso. Ele sabia que sua teoria, em especial a parte ainda não escrita, da evolução do homem, deixava sua esposa magoada, pois que ela doutrinada pela religião que professava aceitava a palavra de revelação como pura verdade, e na ingênua visão dela, a teoria defendida por Darwin o colocava em pecado de blasfêmia, e o levaria para o inferno. Ele tinha perfeita clarividência dos problemas que sua proposta criaria também com as autoridades do saber de seu tempo. Darwin sabia que sua teoria que acabara de publicar desembocaria naturalmente na necessidade de se discutir a evolução humana, contra a visão estabelecida da criação divina. Sua teoria levaria a uma nova, mais emocionante e natural história da vida, e desta forma a uma destruidora revisão da história da vida humana, que em nada agradaria aos poderes dominantes de sua época. Ele sabia mais ainda, ele tinha consciência de que esta nova história natural da vida humana, levaria a que nossos ancestrais, na linha direta de nossa evolução, fossem animais “na linha” dos símios, parecidos ou aparentados com os macacos. Seriamos todos nós descendentes diretos de uma linhagem animal simiesca.
Sabedor do grande poder explosivo deste detalhe, em seu primeiro livro, Darwin manteve-se atentamente distante desta discussão. A teoria em si já era suficientemente revolucionária para que ele, logo de saída, acrescentasse mais combustível no incêndio que viria pela frente. A integridade intelectual e científica de Darwin, lhe obrigava a bem saber disto, e assim o punha a cada vez mais buscar provas e evidências, para algo que poderia perturbar sua criação, em especial visando garantir máxima integridade e coerência lógica a estrutura interna que sustentava sua teoria. Ele sabia que existia uma lacuna que tinha de ser muito bem abordada, destrinchada e defendida, que era a da hereditariedade. Uma teoria bem abordada cientificamente da hereditariedade era muito mais que aderente, ela era necessária a sustentação da teoria da evolução. A teoria da evolução necessitava que descendentes carregassem naturalmente características dos seus ancestrais, ele precisava garantir, o que todos já sabiam, mas ele precisava provar, que as características dos ancestrais tendem a ser “perpetuadas” nos descendentes, mas que esta hereditariedade permitisse algumas falhas, para que variações nos descendentes pudessem ocorrer, e que estas variações naturais levassem a algumas “adaptações e especializações” que seriam benéficas a sobrevivência de longo prazo e a capacidade de assim deixar maiores número de descendentes. Esta combinação é o motor central da teoria da evolução, que pode assim “naturalmente” selecionar estas variações ao longo do tempo. Darwin comentava que a evolução não trazia consigo nenhum senso de propósito, mas que sim, trazia algum senso de humor, pois que não possuía direção ou sentido, e sim uma constante e natural seleção dos melhores adaptados a cada situação de momento ao longo da história temporal e geográfica da evolução. Ele sabia que se não conseguisse provar que a hereditariedade garantia aos descendentes as características dos ancestrais e que esta hereditariedade permitia, vez por outra, erro, sua teoria estaria atolada em profundo lamaçal e sem saída fácil, levando as engrenagens da evolução a uma espécie de inoperância. A teoria da evolução necessitava que a hereditariedade fosse fortemente constante, com alguma taxa de inconstância, que ela fosse assim estável e que possibilitasse algumas mutações. O princípio hereditário usado por Lamarck não atendia estas necessidades. O conceito pitagórico de “hereditariedade” também não atendia as necessidades da teoria. Apesar de um brilhante teórico, pensador e observador, Darwin não possuía maior brilhantismo como experimentalista, era uma de suas deficiências intelectuais, e neste tocante Mendel era muito mais apto. O talento de Mendel estava na experimentação, o de Darwin no observar, e pensar teórico. Observar e pensar a natureza é muito diferente de fazer experimentos com ela. Como Darwin não era um experimentalista, ele gastou mais de dois anos pensando e buscando uma teoria da hereditariedade que lhe garantisse logica estrutural para sua teoria da evolução, usando o que tinha de melhor, sua capacidade basicamente teórica, mas fracassou, chegando a sofrer um colapso mental. Tentou várias alternativas, mas todas elas lograram falhar, levando a que esta lacuna o acompanhasse. Todos conheciam a capacidade de descendentes manter características dos genitores, mas ele precisava de uma teoria que desse sustentação ao que a prática já mostrava a todos, e Darvin fracassava todas as vezes que tentava nova aproximação.
Uma solução para seu problema estava em uma publicação de um monge agostiniano chamado Gregor Johann Mendel. Mendel trabalhava o conceito de “semelhança”, como era abordado até aquele tempo o conceito hoje mais amplo de hereditariedade. E Mendel dizia: “semelhantes sempre geram semelhantes”. Com Mendel, a hereditariedade tinha também uma lei universal. Com Mendel surge o conceito do que hoje conhecemos como alelos, como recessividade e dominância, dupla dominância e dupla recessividade. O que era mais importante para Darwin e sua teoria, Mendel e seus experimentos implicavam em que a hereditariedade somente pudesse ser explicada pela transmissão de unidades distintas de informação dos genitores aos descendentes. As células espermáticas traziam apenas uma cópia desta informação (ou um alelo) e o óvulo trazia a outra cópia (o segundo alelo), desta forma, na hereditariedade ambos os “sexos” tem a mesma importância nas características de seus descendentes, dependendo da dominância e da recessividade de cada alelo passado por cada genitor. Aqui tinha uma teoria experimental com força suficiente para quebrar a crítica da lacuna. E Mendel já tinha esta teoria publicada. A resposta que Darwin procurava sempre esteve ao seu alcance, era o experimento de Mendel.
Hoje todos sabemos da brilhante teoria de Mendel, e chamamos de genes aquelas unidades distintas de informação dos genitores. Hoje conhecemos a dupla hélice que comprova a dupla existência de alelos, e que cada hélice vem de um dos genitores. Esta lacuna está para sempre encerrada.
Como prometido, seguem os links, em ordem natural de publicação, dos três textos inicialmente publicados:
1) Darwin e uma de suas primeiras brilhantes frases: “Cada variedade é constante em sua própria ilha” - http://www.ateuracional.com.br/2016/12/darwin-e-uma-de-suas-primeiras.html
2) Darwin e seu Caderno C, variação, especialização, adaptação e seleção - http://www.ateuracional.com.br/2016/12/darwin-e-seu-caderno-c-variacao.html
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Sou um ateu racional e um livre pensador, ou melhor, eu sou um ateu que tenta ser (que se compromete a ser) racional e livre pensador.
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