Reciprocidade e equidade

Um estado social ético e moral deve naturalmente levar a um estado onde a reciprocidade e a equidade sejam algo normal, natural e comum. Como comentado em meu último texto “Ética ou convenções” - http://www.ateuracional.com.br/2016/10/etica-ou-convencoes.html , entendo a moral como algo intimamente ligado a ajudar e não prejudicar, além de fortemente relacionado as intenções e a distribuição dos recursos, com especial cuidado em separar a ética-moral das convenções sociais, normas culturais ou comportamentos estabelecidos. 

Ao começar este texto, senti-me fortemente tentado a incluir a reciprocidade como uma característica naturalmente moral. Alguma dúvida apenas quanto a sua inteireza, a reciprocidade plena. Entendo que a ética e a moral sérias levam a reciprocidade do bem (concordo plenamente quanto a reciprocidade positiva), entretanto entendo também que podemos agir de forma reciproca apenas para manter o estado ético e moral, ou o que destoa um pouco da naturalidade, mas que em si demonstra certo cuidado com a manutenção ética geral. O problema se inicia quando incluímos o desejo da obrigatoriedade, quando agimos fazendo o bem, ajudando os outros simplesmente para que seja pelos outros ajudado no futuro, quando cobramos a reciprocidade que deveria ser natural, como por exemplo eu sei que amanhã vou precisar de ajuda para completar algo que sozinho não consigo, e hoje ajudo alguém para colocá-lo contra a parede amanhã, quando eu precisar. Não obstante a reciprocidade marcar nossa evolução social, bem como ser ela comum aos nossos primos grandes primatas não humanos, a reciprocidade natural, é aquela que retribui o “bem” com bem, mas que também retribui em forma de revanche o mal com o mal. Somente por estas duas últimas situações, a da reciprocidade do mal e a possibilidade de agirmos mecanicamente, já de antemão esperando o retorno pelo que de bem possamos estar fazendo, que não incluo diretamente a reciprocidade plena como algo ético e moral, na certeza de que a ética e a moral corroborarão para a reciprocidade do bem. 

Já quanto a equidade, como comentado anteriormente que entendo a distribuição dos recursos como algo ético e moral, entendo que a equidade seja sim uma característica natural de um comportamento ético e moral. E de novo, nada único aos humanos, chipanzés e bonobos, além de outras espécies de pequenos símios, já tem clara noção da importância social da equidade, no tocante a distribuição de recursos, apesar de em alguns casos terem forte estrutura hierárquica, não tendo assim uma equidade plena de poder, mas claramente valorizando e até punindo os elementos que não valorizem e respeitem a equidade dos recursos, em especial da alimentação e dos “carinhos e prêmios”. 

Ao analisarmos as sociedades de diversos símios notamos a existência natural de um líder, ou de um grupo mais próximo de liderança, podendo ser de machos (machos alfa), como nas sociedades dos chipanzés (que inclui a forte presença de uma líder feminina não somente na defesa das fêmeas, mas muito atuante politicamente também na resolução de atritos e no apoio a manutenção da ordem), ou podem ser sociedades onde a liderança seja de fêmeas (fêmea alfa) como nas sociedades dos bonobos. Apesar da forte presença do líder, ele não age ditatorialmente, inclusive não retirando alimentação de subalternos que a tenham conseguido, agindo muito mais na defesa, na manutenção da ordem, e minimizando atritos. Assim, apesar de estruturas hierárquicas, existe uma certa e marcante equidade entre seus membros, onde apenas nota-se uma grande perda desta equidade nos mais jovens, que passarão a desfrutar da mesma equidade tão logo se tornem adultos plenos e experientes. É interessante, quanto aos jovens, que até mesmo as fêmeas mais jovens são de certo modo descartadas pelos chipanzés e bonobos adultos que sequer têm interesse sexual por elas, muitas vezes elas têm que implorar para conseguir sexo, e acabar se contentado com sexo apenas com outros jovens. É forte e marcante o interesse dos chipanzés e bonobos machos adultos por fêmeas experientes, de mais idade. Nesta sociedade os fabricantes de produtos para manter aparência jovem não teriam sucesso algum. Nota-se claramente nestas sociedades o uso pleno da reciprocidade, onde aquele que se doa e que distribui de forma justa seus recursos, em especial a alimentação, é bem recebido e tem do grupo reciprocidade na distribuição dos recursos e da alimentação, mas é fato que a reciprocidade também se dá pelo lado mal, como forte punição ou castigo às usuras ou a aqueles que mal distribuem os recursos.


Desta forma, a nossa sociedade, como cada vez mais se percebe ao longo de diversos estudos sérios, possui apenas continuidade e muito mais variação em quantidade do que nas qualidades que muitas vezes de forma mesquinha acreditamos serem comuns apenas aos humanos.

Aos que me conhecem mais de perto sabem que tendo a ter fortes tendências de liberdade e igualdade, desta forma a equidade é algo que muito preso. Algo muitas vezes difícil em uma sociedade cada vez mais egoísta, cada vez mais individualista, mas que entendo dever continuar buscando, pois que entendo claramente que em cada um bate, muitas vezes adormecida ou sufocada pelos interesses, o sentimento e o sentido de equidade como algo justo.

Quanto a reciprocidade gostaria apenas de acrescentar mais umas poucas palavras, que deixem mais claro que reciprocidade não é fazer algo na certeza de recompensa, não é por exemplo se ajudar mutuamente a pegar uma jaca na arvore, pois que neste caso não há reciprocidade, o ganho foi instantâneo, os dois ou mais, ganharam poder degustar da fruta, isto é cooperação e não reciprocidade. Não é também, reciprocidade, fazer algo na obrigação de que o próximo tenha que fazer algo por você. Ao ajudarmos um vizinho em sua mudança, você não espera nenhum ganho imediato, e se o vizinho vier a te ajudar quando você comprou aquele tão sonhado piano de cauda que você não consegue entrar com ele em casa, isso sim é reciprocidade. E que em uma sociedade ética não devemos praticar a reciprocidade do mal. Outro cuidado é não confundir a reciprocidade com altruísmo, quando você se arrisca para salvar uma vida, humana ou animal, em um prédio em chamas, e muitas vezes você o faz quase que por instinto, você não espera reciprocidade, você não espera retorno ou ganhos, você o faz por necessidade de que alguém o faça, e o faz em nome de ajudar aquela vida, mesmo botando a sua em risco, isto é altruísmo. 


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Sou um ateu racional e um livre pensador, ou melhor, eu sou um ateu que tenta ser (que se compromete a ser) racional e livre pensador.

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