Todos, ninguém
Sejamos todos, todos sejamos, todos em tudo, o início, o
meio e o fim deste mesmo todo social, pois que quase nada somos neste mesmo
tudo natural. Somo o que somos, existência de nosso ser, atores de nós mesmos,
parte do enredo de todos, elementos vivos do tudo, e infelizmente meros figurantes
sem maior importância quando nada ousamos ser, fazer ou transformar, quando
alegamos impotência e nos escondemos por detrás de nossa própria inação, quase
nada somos também quando delegamos aos outros nossa corresponsabilidade pelo
que aqui está e nossa parcela de dor e suor pela luta em transformar isto.
No tempo que nada pode ser, somos com ele, e nele todos
somos o que somente nós podemos ser, nada de verdadeiro sendo, por nossa
própria incompetência e conivência. Somente, na lei que nada por si só
justifica, no justo que somente sem lei pode ser justificado, somos assim animais
perdidos no tempo, perdidos no espaço, sem espaço-tempo que justifique a beleza
da biologia que se fez maior que a física e a química, porque em nossa prepotência
de seres maiores, melhores, ungidos ou escolhidos, nos perdemos neste espaço-tempo
que único e absoluto é ele mesmo relativo no espaço e no tempo. Somos assim, bastante
únicos, mas relativos em nossa existência, absoluto pela imanência material que
nos faz possível, mas relativos na insegurança de sermos membros ativos pela
glória de toda a vida, pelo respeito à natureza, pelo desejo não sincero de
verdadeiramente lutar pela grandeza natural da própria natureza que tudo é mas
que nada, ou pouco, parece ser frente a nossa arrogância de sermos imagem e semelhança
de algo, acreditando assim que tudo nos pertença, pertencendo não a todos, mas
mesmo assim apenas a alguns poucos, onde muitos ingênua, mais sinceramente,
acreditam que esta vida, este viver, esta realidade é puramente transitória,
pois que de passagem estaríamos para algo melhor, e que sempre teremos a nossa
disposição o perdão absoluto de tudo que de “errado” fizemos, e de tudo que por
omissão, de “certo” deixamos de fazer. Cremos contra aquilo que deveríamos
saber, e fingimos saber aquilo que sequer deveríamos crer, em geral, somos
prepotentes em forma de anjos, somos vermes em forma de algum deus, somos sujos
que fazem da falsa limpeza, a higiene física que deveria ser mental, a
falaciosa higiene pessoal que deveria ser coletiva, e a defesa dos meus, quando
deveria ser esta social e universal.
Antissocial, sem sociedade, pois que monstruosamente
excluímos, ou aceitamos a exclusão de milhões. Antissocial em plena anti-sociedade,
pois o que agora é já me parece perdido, como nós mesmos, sem sermos, sendo sem
um ser, o ser que não sendo deixamos de ser, e somente sendo aquilo que no
fundo, como seres desumanos, construímos sendo parte do tempo, que somente, e
exclusivamente, se fez e se faz naturalmente excludente, se faz doente no
desejo latente que a todos seduz e que a todos perverte. Deveria sim ser antissocial
por vergonha da sociedade que ajudamos a manter, mas inequivocamente antissocial
pela fraqueza que bate em meu peito de peitar os “sábios” que perdem o tempo
que nos faz nos perder em desumanidades e em abusos do que seria ser humano,
sem realizar nossa humanidade. Antissocial pela fraqueza de não encarar os
donos do poder, as autoridades do saber, e os hipócritas que se vestem de
salvadores. Antissocial não em meu nome ou na defesa de meus interesses
pessoais, mas com empatia e sensibilidade, antissocial em nome dos que padecem
da exclusão social, dos que sofrem pelo abandono, pela opressão e pela
exploração, ou dos que, muitas vezes silenciosamente, amarguram a dor dos
preconceitos de cor, de gênero, de opção sexual, de condição social, de escolhas políticas, de
crenças ou de descrenças, por estarem fora do padrão de beleza, e de
nacionalidade entre outros.
Céu e inferno, inverno nuclear que mata espécies sem
necessitar de nenhuma bomba e nenhuma radiação, somente pela prepotência de
realizar a vaidade de sermos o deus que nós mesmos criamos, a nossa própria imagem
e semelhança, para justificar os perdões que podem nos fazer parecer menos
perversos na perversidade da perversão em que abandonamos o amor, pela não
preservação do respeito ao respeito humano, mas por respeitar aqueles que não
sendo humanos se arvoram em nos subjugar, e nos fazem crer que “a” justiça
divina tarda mas não falha, e que não vale a pena se expor demais, pois que
algum reino celeste está guardado para nós. Somente ignorantes e estúpidos
seres destroem seu lar, pela posse de algum poder, excluem irmãos, à miséria,
como se sub-humanos fossem, ou talvez sub-humanos todos, ou quase todos,
sejamos...
Louco, talvez sim, pervertido, talvez não, mas sem sangue
nas veias para que pelo sangue dos justos possa me expor contra aqueles que
pintam de sangue os corpos humanos e maculam de sangue a mente e a autoestima
de irmãos, em plena exclusão e abandono. Nas horas negras que percebo a maldade
humana, sinto-me um ultraje, um traste de perceber e pouco fazer, de presenciar
e não sofrer, de participar e não ter a nojenta vergonha de me transformar
frente a tudo que a fome faz irmãos passar, e na qual cruzo diariamente,
fingindo não ver, que faço cara de dor, mas que da dor real quase nada sinto.
Demente, doido, insano, este sou eu, ou este não sou ninguém
que valha a pena ser. De mãos sujas, muitas vezes pela omissão e pelo descaso,
sim este sou eu, ou melhor, este não deveria ser eu e não deveria também ser
nenhum de nós.
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