Sensação e Percepção

É bastante difícil, se levarmos em consideração um enfoque filosófico mais profundo, obter uma única e simples interpretação epistêmica sobre estes termos. Grandes pensadores têm dificuldade em obter consenso a cerca desta simples, mas criativa análise. Eles acabam obtendo mais de uma definição direta sobre estes termos, conforme o tempo histórico e conforme a sua linha específica de pensamento filosófico, em especial no que tange a definição de sensação. Como no fundo sou materialista tentando ser realista e racionalista crítico, com toques naturalistas e analíticos, e algumas pinceladas céticas, vou me ater a uma visão muito mais ligada à neurociência do que as vastas interpretações filosóficas possíveis.

É muito comum, nos referirmos aos conhecidos e tradicionais cinco sentidos, visão, tato, audição, paladar e olfato, como os nossos únicos cinco sentidos, entretanto apesar destes sentidos serem habitualmente definidos como básicos, ou primários, nenhum deles é por si só totalmente independente. Em minha linha argumentativa, existem ainda, ao meu pessoal modo de ver, várias outras sensações, também passiveis de receberem a nomenclatura de básicas ou primárias, sem necessariamente o serem, quando efetuamos alguma análise simplista deste assunto. Seriam elas: gravitação, dor, aceleração, medo, alegria, felicidade, paixão, ódio e etc.. No fundo, cada uma destas impressões sensoriais acaba sendo um mix de complexos sentidos e subsentidos específicos, ficando muito difícil de identificar algum destes sem sofrer interferência de outros, por isto prefiro não os definir como sentidos primários, e simplesmente sensações.

O nosso cérebro é o grande processador central que manipula estas sensações (como em verdade manipula todo o nosso ser), e através destas, mas não somente com elas, ele elabora um estado perceptivo específico para cada situação, que nos acaba dando a aparentemente “real” experimentação de nosso mundo. Cabe comentar que as sensações, são em última análise, componentes que contribuem para a elaboração mental de nossa percepção abstrata do real. O cérebro possui uma dificuldade quase absurda em separar o real do imaginado, o mapa mental de se olhar uma cadeira, é praticamente o mesmo do mapa de se pensar na mesma cadeira.

Podemos ter percepção ativa ou “consciente” não somente pelo que é sentido pelos nossos sensores, mas também podemos ter percepção pelo que não seja sentido (pelo que seja imaginado ou induzido), ou podemos ainda deixar de perceber o que na prática realmente sentimos.

Podemos ir mais longe ainda: na complexidade de nossa mente podemos elaborar mais de uma percepção, algumas delas até mesmo antagônicas, sobre a mesma coleção de sensações. Desta forma podemos ampliar o leque do que nosso cérebro elabora como percepção, e dizer que estas não são determinadas somente por sensações, bem como dizer que as percepções sensoriais estão ligadas a modalidades independentes e distintas de sensações/percepções. Como diria Michael O’shea: “percepções são os palpites esclarecidos do cérebro sobre o que os sentidos combinados estão dizendo a ele”.


No caso da visão, a informação sensorial que atinge a retina é uma sensação. Agora o que nossa mente, através do nosso cérebro, interpreta como forma perceptual desta entrada sensorial é a percepção. É um fato comprovado cientificamente que nossos cérebros podem impor, e muitas vezes impõem ao mesmo tempo, percepções mentais diferentes sobre as mesmas sensações registradas por nossos circuitos sensores.

Nossos sensores também estão longe da sensibilidade e da qualidade ótima, estando limitados pela solução biológica implementada pela evolução, como selecionado de mutações aleatórias, mas que no conjunto total de cada ser biológico estavam mais adaptados ao nicho biológico existente e a procriação. (Por favor a evolução não age de forma aleatória, mas sobre erros de cópia, estes sim aleatórios, entretanto a seleção não é aleatória.)

Desta forma, é comum sermos “enganados” pela nossa percepção em relação a interpretações de fatos e de conceitos. Nossa percepção está muito envolvida com nossa filosofia, nossas crenças básicas (não me refiro a crenças religiosas apenas, mas estas com certeza afetam nosso processamento perceptivo, mas falo em crenças como um todo, cremos naquilo que não sabemos), e nossa forma de pensar. Não devemos ser céticos ao extremo e duvidar totalmente de nossa capacidade de perceber com alguma acuidade, ou mesmo de sermos capazes de colecionar conhecimentos com estas percepções.

Eu creio que os céticos têm coerência e razoável correção nas suas assertivas, mas levá-las a ferro e fogo me parece ser uma forma muito desgastante mentalmente de vivermos. Se não posso ter certeza absoluta, posso ter certezas relativas e que com bons indícios me levem a refutar o errado e assim chegar mais perto do certo. Não me parece lícito desacreditar na sensação/conhecimento da gravidade por exemplo. Ela está aqui, está em qualquer lugar, ela é utilizada naturalmente para muitos fins, duvidar dela me parece ser de uma extrema maldade, apesar de ser possível, no extremo do ceticismo, imaginar que nem eu mesmo exista. Porque complicar a este ponto algo que é parte de nossa existência, seja ela real ou não. Posso sim duvidar do mecanismo da gravidade: deformação espaço temporal (relatividade) ou gráviton (quântica), ou mera aceleração de algum tipo que reflete em mim a sensação de gravidade, ou mesmo o reflexo de alguma força ou evento desconhecido, ou um mix de mais de uma delas... Pode ser que jamais venhamos a ter certeza deste exemplo, mas não me parece lícito duvidar da existência da gravidade.

Assim, fica para mim, clara a diferença básica entre Sensação e Percepção. E que todos saibamos que a percepção é pessoal, é falha e é influenciável sujeitas a ancoragens e induções... Mas somos seres perceptivos e nossa mente e a racionalidade a comprovam.


PS: Não sou relativista quanto a verdade. Para mim, realisticamente falando, ela tem que ser única, mesmo que eu jamais a conheça em toda extensão. Refiro-me ao relativismo da interpretação do alcance e do reflexo desta verdade.


Apenas para rápida consulta, apresento abaixo referências tiradas do: Dicionário Academia Brasileira de Letras, Dicionário NICOLA ABBAGNANO e do Dicionário JOSÉ FERRATER MORA

Sensação:
Impressão física ou psíquica CAUSADA POR ALGUM ESTÍMULO (Dicionário Academia Brasileira de Letras)

Segundo NICOLA ABBAGNANO
Este termo tem dois significados fundamentais: 1- um significado generalíssimo, em virtude do qual designa a totalidade do conhecimento sensível, ou seja, todos e cada um de seus elementos; 2- um significado específico, em virtude do qual designa os elementos do conhecimento sensível, ou seja, as partes últimas, indivisíveis, de que supostamente é constituído. Este segundo significado aparece somente na filosofia moderna.

Segundo JOSÉ FERRATER MORA
São os sentidos que formam as sensações. Outros autores, em contrapartida, admitiram que os sentidos apreendem diretamente as qualidades sensíveis. Grande parte dos problemas relativos à sensação tal como foram tratados pelos filósofos modernos partem destas questões. Os modos como vários autores definiram a sensação correspondem a uma noção de sensação como atenuação das potências intelectuais. Tal sucede com as concepções de Descartes — a sensação é “um modo confuso de pensar”— e de Leibniz — a sensação é “uma representação confusa”. Em geral, foi típico dos racionalistas outorgar um lugar subordinado à sensação na estrutura do conhecimento. Os empiristas, em compensação, destacaram a importância do sensível. Adverte-se nas correntes empiristas uma definida tendência para o que se chamou sensacionalismo e também sensualismo.. Kant acolheu uma parte desta tendência ao assinalar que, no sentido, o real é o que corresponde às condições da sensação. Tem sido corrente distinguir entre sensação e percepção, considerando esta como um reflexo de sensações ou como a coincidência da sensação. No entanto, esta distinção oferece muitas dificuldades, pois a sensação pode ser concebida também como uma percepção de qualidades sensíveis.



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Sou um ateu racional e um livre pensador, ou melhor, eu sou um ateu que tenta ser (que se compromete a ser) racional e livre pensador.

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