Pode existir ética no matar?

Pode existir ética no matar?

De uma forma simplista a resposta seria não. Mas sendo um assunto que não merece uma resposta simplista, é necessário que pensemos um pouquinho mais atentamente antes de responder de forma tão superficial. Entendo que o respeito à vida e a dignificação desta vida devem ser o maior atributo a nossa existência, e o maior símbolo de nossa humanidade. Mas... O diabo costuma estar escondido nos detalhes, e uma posição que parece tão direta pode apresentar alguns reveses...

Tenho a certeza de que este é um assunto mais complexo do que aparenta, e que a maioria de nós não costuma investir tempo pensando nisto. Retirar a vida de alguém é algo que naturalmente deve ser evitado, e que mesmo o pensar sobre ele tende a incomodar. Quando iniciamos o aprofundamento da questão, ele parece um pouco com areia movediça, o que parece seguro pode passar a ser duvidoso, e tentarei não me deixar ser soterrado por estas dificuldades. Sei que é um assunto que por si só pode ferir sensibilidades, pode desafiar o senso comum e pode ir de encontro a crenças arraigadas, em especial com tons místicos e religiosos, de que somente um ser supremo pode deliberar e praticar sobre a vida, mas a vida em si, como todo o resto é natural, é imanente, e está sob o nosso escopo não somente realiza-la, mas também pensar, refletir, estudar e discutir.

É um assunto que pode se tornar de difícil argumentação, dependendo do tom a ser dado, e dependendo da posição de cada um. Posto assim, antecipadamente peço desculpas por qualquer mensagem que possa parecer ofensiva, mas quero que todos tenham em mente que ninguém, mais do que eu, ama o conceito e a realização biológica da vida, onde a física e a química cedem lugar a biologia, e esta, em alguns seres (espécies), abre lugar a uma mente e a uma sociedade.

Com certeza existem muitos amantes da vida, e uma gama imensurável deles deve amar a vida tanto quanto eu. A questão posta é complexa posto que não é um elemento, ou não deveria ser um elemento, do cotidiano, ele deveria ocorrer de forma rara, tão somente quando nos vemos colocados em situações extremas, onde nos é obrigatório pesar uma vida contra várias, ou algumas vidas contra muitas (em alguns casos mesmo algumas vidas contra uma, como no caso de um grupo de sequestradores que está prestes a matar seu único sequestrado), mas está diretamente relacionada aos valores que damos a vida e a sociedade, está relacionada ao quão sagrada é uma vida, e o seu relacionamento com o bem viver humano e social. Entendo também que é difícil termos a frieza de desapegadamente divagarmos sobre este assunto, e eu pretendo não me alongar muito, em especial por não ser dono da verdade.

Em defesa básica a minha argumentação gostaria de defender a tese de que não acredito em ética universal, ou em ética como uma delimitação ou determinação humana ou mesmo (muito menos) celeste do que podemos e do que não podemos fazer. Entendo a ética como uma necessidade social, onde passa a ser necessário que enquanto corpos individuais, sejamos seres socialmente envolvidos. Não entendo valores como algo também previamente atribuído, e sim construído mentalmente, em cada ser mental, e defino como sagrado, não aquilo ou algo místico, algo emoldurado por alguma “celestialidade” ou o que quer que seja afirmado por algum ente sobrenatural, sagrado para mim é aquilo que valorizamos tanto, que podemos chegar a dar nossa vida por aquilo, ou por aquele valor.


Visto desta forma, a ética não é absoluta, e assim deve ser racionalmente trabalhada, e é sempre passível de análise crítica, e não de comparação quanto um possível modelo estabelecido por grupos, credos ou organizações, sejam elas seculares ou religiosas.

Entendo que o ato de matar deve sempre ser evitado, entendo que é uma atitude, em geral, muito contrária ao respeito à vida. Não obstante esta posição de defesa ao conceito e a realização do viver, tenho sinceras crenças de que pode ser ético retirar a vida de um, quando estamos salvando a vida de vários ou de muitos, em geral de vários ou de muitos inocentes que estariam em perigo de morte por aquele um. Não quero discutir a retirada da vida em legitima defesa, ou na salvação de nossos filhos, posto que entendo que estes itens são naturalmente tratados pela nossa mente, como atitudes e comportamentos evolutivos. Tenho apenas a comentar que nem sempre a legitima defesa é ética, posto que pode ter sido decorrente de um ato indigno praticado contra a sociedade o que levou aquela pessoa a ficar em uma situação de “legitima defesa”. Também a salvação de nossos filhos, não é por definição, a garantia de uma atitude ética, podem ter sido exatamente nossos filhos que praticaram repudiáveis ações que os levou a situação de estarem próximos a perderem a vida, mas nossos instintos, gravados profundamente em nossos circuitos neurais tendem a falar mais alto neste ínterim, em especial quando solicitados a atuar de forma peremptória, não dando muito tempo a uma racionalização maior, mas como humanos, sempre que nos for possível, devemos pensar analítica, crítica e racionalmente, mesmo que algumas vezes nos doa muito a ação a ser tomada.

Retornando da digressão acima, gostaria de resgatar a minha posição de que não sendo absoluta a ética, e nem possuindo esta, valores próprios, necessita de um validador para mensurarmos o alcance ético ou não de qualquer ato. O conceito de ética que tento sinceramente aplicar, é o que ensino aos meus filhos, simplesmente por ver nele algo de socialmente correto, é que um ato, qualquer ato, deve ser medido pelo alcance final do mesmo, mas muito também pela intenção, e um ato é tão mais ético quanto maior for o alcance da ação, no tempo, no número de pessoas envolvidas e no espaço geográfico impactado, desde que dignifiquem a humanidade, não somente em mim, e nem nos meus, mas sim na realização social de nossa humanidade, e que praticados sob a erige da boa intenção e do bem querer. É importante que levemos em consideração a intenção, pois que por vezes ações feitas sob má intenção levam a efeitos bons, e ao contrário, algumas vezes ações feitas sob boa intenção e bem querer, levam a efeitos desumanos. Eu sei que intenção não é algo fácil de mensurar, mas devemos envidar esforços em tentar sinceramente perceber as intenções por detrás de cada ato.

Então por esta simples linha mental, matar um terrorista que está prestes a explodir uma bomba numa escola é não somente necessário, mas ético. Retirar a vida de um animal humano que está prestes a estuprar uma criança é não somente necessário, mas ético. Um policial, que na defesa social se expõe de corpo e mente contra desumanos bandidos antissociais, tem a liberdade ética de, nestes casos, primeiro salvar sua vida, e segundo retirar da sociedade em caso de vida ou morte estes elementos malfeitores.

Eu sei que é difícil valorar claramente todos estes elementos, por isto a ação ética deve ser racionalmente trabalhada e criticamente analisada, evitando-se sempre que possível a proximidade sentimental que é natural ao ser humano.

Tentei com estes simples exemplos falar que mesmo em assuntos considerados tabus, ou mesmo considerados dogmáticos, sempre haverá espaço para racionalização e para a crítica analítica. Tenho a certeza que naveguei por mares bravios neste texto, posto o assunto ser bastante complexo e impactante, mas quem disse que eu sou o dono da verdade? Devo racionalizar e me expor para que com outras visões possa estar sempre reconstruindo e aprimorando a minha linha de pensamento. É importante que sempre tenhamos em mente que nenhum assunto deve ser vedado a livre, honesta e crítica, análise e discussão. Todo e qualquer assunto, toda ideia, todo conceito, deve estar completamente aberto a séria, lúcida, crítica, sincera e proba, discussão, não deve e não pode haver assuntos proibidos ou evitáveis.





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Sou um ateu racional e um livre pensador, ou melhor, eu sou um ateu que tenta ser (que se compromete a ser) racional e livre pensador.

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