Motivos para existir


Não creio em destino e também não creio em nenhum desígnio superior, simplesmente porque não creio em nada transcendente, apesar de respeitar aqueles que assim preferem crer. Minha filosofia de vida não envolve nenhuma aceitação dual entre o natural e o celeste, entre o físico e o espiritual, ou entre o imanente e o transcendente. Neste assunto apenas creio no natural, no físico (matéria e energia e tudo que deles derivem direta ou indiretamente, ou que a eles possam ser redutíveis em algum nível), e no imanente. Isto não significa que não existam dualidades no mundo natural, significa apenas e simplesmente que a realidade total está incluída no mundo natural, e é imanente. Meus dualismos (se assim o posso falar) ocorrem entre matéria e energia, entre partícula e ondas, entre o racional e o instintivo, entre temporariamente existir e não mais existir, entre outros possíveis. Enquanto vivo, sou ou tento ser, um mix de partes materialista, realista, naturalista, cético, humanista secular, racionalista, e profundo amante da vida, não somente da minha vida, ou unicamente da vida dos meus familiares e dos que mais de perto me cercam, mas sim da vida enquanto conceito existencial e biológico, de onde a física e a química realizaram naturalmente o salto para a biologia. Amo a vida em essência e por isto amo a vida como realização natural, evolutiva, diversa, complexa, sensível, frágil, fadada a morte, e de magníficas formas de beleza.

Quanto a minha vida, tendo por base o já exposto, de forma algo consciente, não creio ter nenhum motivo misterioso, místico, ou transcendental para viver. Sou fruto de uma probabilidade quase nula de ter nascido, nasci por uma conjuntura absurdamente grande de eventos interagentes ao longo de toda a jornada existencial (do todo). O fato de aqui estar não implica em garantia alguma de que aqui eu estivesse, sou fruto de uma complexidade geral do existir, sou fruto de um caos absurdamente complexo, se aqui estou, não significa que houve motivo algum, ou que tenha eu qualquer motivo ou desígnio pré-programado a cumprir. Poderia ser que o sistema solar sequer tivesse sido formado, poderia ser que a nossa Terra não surgisse, poderia ser que a lua não tivesse surgido de um choque acidental, poderia ser que a vida não aparecesse por aqui, poderia ser que os mamíferos não proliferassem, que os símios não surgissem pela evolução, e que sequer o homo sapiens pudesse ter evoluído. Só isso já demonstra a improbabilidade de aqui estarmos, agora. Mesmo que tomemos apenas o período dos últimos cerca de duzentos mil anos, que de uma forma rápida abrangeria o desenvolvimento do homem moderno, a combinação de eventos que ocorreram até o instante da fecundação que deu início a minha formação, beira o absurdamente impossível ou improvável. Isto por si só, já deveria ser um motivo de máximo respeito pela vida que “foi me dada” pela coincidência caótica-probabilística-aleatória da realização existencial da mãe natureza. O fato de poder aqui estar deveria ser capaz de por si só me fazer enormemente grato, feliz e responsável pela vida que tenho, e também pela vida como um todo, sem que esqueça da natureza, pois que foi graças a ela que aqui pudemos estar.

Dignificar a vida e construir meios para que ela seja sempre enaltecida, elogiada e louvada, acima de tudo, deveria ser a razão real e suficiente para existir. Aproveitar de forma socialmente ética desta realização deveria ser suficiente para me fazer amante da vida.

Desta forma, algo conscientemente, posso ter poucos, mas coesos e bons motivos para cuidar da minha existência e da manutenção do conceito de vida. Entendo que por vias inconscientes tenho inúmeros outros motivos para realizar com energia, satisfação e compromisso a minha existência como ser vivo, buscando garantir a preservação da natureza e dentro dela da vida.

Na defesa e justificativa de motivos imanentes para existir, poderia caminhar pela estrada ainda tortuosa dos genes egoísta, poderia me mover pela necessidade de procriar e deixar descendentes, poderia viajar pela necessidade social de construir uma existência pelo bem coletivo, mas prefiro deixar como o maior motivo para minha existência, o respeito a essência da vida, o louvor a minha, e a nossa, existência, como prêmio maior de sua própria improbabilidade, frente ao volume de aleatórios (mas todos eles de alguma forma macroscopicamente causais, sendo aleatórios apenas no sentido de não haver direção ou desígnio nenhum pré-estabelecido, ou que decorrentes de uma infinidade enorme de diferentes causas, lhe dá um tom de caos, sem que possamos determinar exatamente todas as causas), incidentais e caóticos eventos ao longo de pelo menos três bilhões e meio de anos terrestres.


Se apenas levar em consideração o ato sexual de meu pai com minha mãe, somente ali, naquela ejaculação (desculpem os mais sensíveis) existiam muitos milhões de espermatozoides e minha mãe poderia ter ovulado outro óvulo, se meus pais realizassem o ato sexual um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde, já poderia ser suficiente para que “meu” espermatozoide em especial se perdesse ou mesmo morresse, ou que eu sequer nascesse deste ato, rodando de novo, assim, o caldeirão de possibilidades. Se somente limitarmos o escopo de minha existência a um ato sexual único, a oportunidade para que eu aqui estivesse é de mais e uma para trezentos milhões, fora as chances de aborto natural ou proposital, de doenças durante a gravidez, ou mesmo morte do feto ou de minha mãe. Agora pensem nos três bilhões e meio de anos em que poderíamos sequer ter chegados a ser mamíferos, pense nos mais de 13 bilhões de anos desde o big bang.

Somos todos, cada um de nós, frutos de uma improbabilidade absurdamente grande e impensável por nossa pequena e imperfeita mente. Mas aqui estou, isto significa que na corrida para a fecundação o espermatozoide vencedor, entre muitos e muitos milhões de outros, “encontrando” aquele específico óvulo de minha mãe, foi o que me deu o direito a existir, e assim se cumpriu a exorbitante improbabilidade, e isto me faz grato com a natureza e compromissado com a vida.

É bem verdade que nos últimos vinte e cinco anos eu ganhei um enorme reforço nos motivos para existir, são meus dois amados e desejados filhos, não bastasse já todo o meu amor pela vida, agora tenho dois baluartes a me guiarem na busca da construção de dois equilibrados, firmes e dignos representantes do viver.

PS: Apenas para terminar, eu poderia dizer que O significado da vida é viver, é fazer significado para as outras vidas, é dar significado a natureza, como dito em:
http://www.ateuracional.com.br/2016/02/voce-me-pergunta-o-significado-da-vida.html 


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Sou um ateu racional e um livre pensador, ou melhor, eu sou um ateu que tenta ser (que se compromete a ser) racional e livre pensador.

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